Prof. Dr. Afonso Carlos Neves
Um assunto que é
repetido nas primeiras aulas sobre Medicina Narrativa é o fato dela ser um
campo, uma atividade interdisciplinar. Nesse sentido, queremos explicar um
pouco o que significa Interdisciplinaridade, pelo menos da maneira como usamos
esse termo.
A escrita sobre “disciplinaridades”
começou no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra, em cujas
universidades o estudo da Língua Inglesa e da Literatura Inglesa foi considerado
como uma atividade “interdisciplinar” entre os variados cursos.
Embora as “disciplinas”
existam desde a antiga Grécia, o uso dessa palavra “disciplina” como se
referindo a uma área do conhecimento começa
no século XX. Antes disso, se referia mais frequentemente ao sentido de ordem,
hierarquia, seguir normas. No transcorrer do século XX, as antigas “cátedras”
foram se tornando “disciplinas”.
Após a Segunda
Guerra Mundial, mudanças começam a acontecer no campo da Educação, entre elas a
popularização do estudo em universidades, antes restrito. Gradativamente também
aconteceu a passagem de Cátedras, onde o Professor Catedrático era um Chefe
vitalício, para um sistema de “disciplinas” com chefia rotatória. Deve-se
salientar que o nome em português “disciplina” para área do conhecimento nem
sempre tem tradução próxima em outras línguas. Em inglês, por exemplo, é mais
usado “Department” em vez de “disciplina”.
Também após a
Segunda Guerra Mundial começou-se a pensar a respeito da Educação de maneira
epistemológica, buscando trazer para a contemporaneidade os modelos de
ensino/aprendizado tradicionais. Os grupos que passaram a estudar esses fatores
começaram a usar as palavras “multidisciplinar” e “interdisciplinar”. Em 1970,
Jean Piaget lançou o termo “transdisciplinaridade”.
De um modo geral,
a palavra “multidisciplinaridade” é usada para descrever o modelo mais
tradicional de ensino, onde uma pessoa que estuda no segundo grau sai, por
exemplo, de uma aula de Matemática e vai para uma aula de Geografia; depois vai
para uma aula de Português, e assim por diante. De modo semelhante, no curso
universitário. Portanto, existe a convivência de várias áreas do conhecimento, mas
com certa distância, cada área com sua linguagem e seu método. Com suas
próprias barreiras e regras que ajudam a definir cada “disciplina”.
No campo
profissional, vale ressaltar que se pode encontrar uma atividade “multiprofissional”,
que pode ser tanto “multidisciplinar” como “interdisciplinar”. Daqui a pouco
vamos entender mais sobre isso.
Eventualmente,
temos a “unidisciplinaridade” em um local ou setor em que aconteça apenas uma
única área do conhecimento. A maioria dos cursos universitários é bastante multidisciplinar,
às vezes interdisciplinar. A unidisciplinaridade pode haver em uma atividade
muito restrita fora da universidade.
Portanto, a
convivência “multidisciplinar” é bastante comum nas escolas e faculdades em
geral.
Na “Interdisciplinaridade”,
passa a acontecer uma troca de informações entre diferentes áreas do
conhecimento, de modo que passa a haver um compartilhamento de linguagens e de
métodos, eventualmente se adota a mesma linguagem e o mesmo método em algumas
situações.
Na “multidisciplinaridade”
existe de maneira mais forte a identificação de grupo, de profissão, de
habilidades práticas próprias de um campo do conhecimento. Nesse âmbito, preserva-se
a noção de “identidade profissional” e de identificação com os seus pares.
Na “interdisciplinaridade”
já os diferentes grupos passam a aceitar “correr o risco” de abrir suas fronteiras
para outras áreas. Mas isso deve acontecer sem a perda da identidade da
disciplina, pois como disse Moran “não há interdisciplinaridade sem disciplinas”.
Nem a interdisciplinaridade e nem a “transdisciplinaridade” visam o fim das
disciplinas. Como diz Edgar Morin, uma das maiores autoridades em transdisciplinaridade,
tanto multi, como inter e como transdisciplinaridade têm suas áreas de atuação.
Quando se tem
alguém extremamente especializado em um determinado item, por exemplo, da
Oftalmologia, de modo que essa pessoa seja uma das poucas capazes de fazer um
determinado procedimento, esse é uma campo que se enquadra dentro da
multidisciplinaridade. Eventualmente, esse profissional pode resolver fazer
algum tipo de trabalho, prático ou de pesquisa, onde ele envolva pessoas de
áreas de Ciências Humanas, ou ainda da área de Medicina Preventiva, onde haja
necessidade de que todos possam entender sua diferentes linguagens, ou ainda
que todos entendam do que se trata a temática em questão, ou ainda que usem
métodos que possam ser comuns entre as partes. Pode ser que se inicie aí um
trabalho “interdisciplinar”. Se todas essas pessoas estiverem trabalhando
juntas, mas ficarem cada uma na sua área, aí será um trabalho “multidisciplinar”.
Nesses dois exemplos, os trabalhos são “multiprofissionais”, mas no primeiro é
interdisciplinar e no segundo é multidisciplinar.
A Medicina
Narrativa é interdisciplinar. Ela envolve diferentes áreas do conhecimento,
fazendo com que diferentes disciplinas procurem trocar linguagem, conhecimento
e prática, na medida em que tenha nas diferentes linguagens um campo comum em
que essas áreas tenham que transitar.
Depois poderemos
falar de transdisciplinaridade, que também pode ser vista no canal do youtube
de Afonso Carlos Neves Neuro.