quarta-feira, 31 de março de 2021

Resumo da Aula 3 do Curso “Narrativas em Saúde”.

 

Características da Narrativa em Saúde

 

1 – Temporalidade

A narrativa habita o tempo.

O tempo habita a narrativa.

O tempo se torna humano através da narrativa.

 

2 – Singularidade

Captar o singular, o adoecer além da doença.

O adoecer torna a doença única para uma pessoa.

O adoecer pode ter sentidos profundos para o paciente.

A subjetividade tem papel no adoecer e na recuperação do paciente.

O cuidador e o observador também têm suas singularidades.

 

3 - Causalidade/contingência

Vínculos entre os eventos narrados.

O ser humano sempre busca algum sentido e estrutura nos eventos.

A relação causa/efeito é construção humana.

 

4 – Intersubjetividade

A palavra “subjetividade” é derivada de “sujeito”.

Não se trata de “objeto”, mas de “sujeito”.

O sujeito é aquele que sabe, que age, que observa.

Intersubjetividade:

quando dois ou mais “sujeitos” se encontram em suas subjetividades.

As narrativas podem lidar com a “intersubjetividade”.

 

5 – Eticalidade

As estórias podem desenvolver a Ética.

Além disso, o próprio ler e escrever pode ser ético.

Ler e escrever em saúde implica em responsabilidade.

 

Como fazer uma leitura minuciosa e atenta em literatura:

Atentar para os itens:

1- Enquadramento/contexto

Onde a narrativa se enquadra no tempo e no espaço.

2 - Forma

Prosa, ensaio, poesia, não convém ler uma forma como a outra. Pode impedir uma compreensão mais profunda do texto.

3 – Trama (intriga)

O encadeamento e a relação entre os eventos narrados.

4 – Desejo

Quais os desejos do autor com a obra.

Quais os desejos do leitor com a obra.

 

5 - Atenção, Representação, Afiliação

A leitura atenta é diferente da leitura casual.

A leitura atenta desenvolve a atenção.

Cada leitura é uma nova representação do texto.

É como se fosse um novo livro para cada um que lê.

A afiliação diz respeito a vínculos que provêm da atenção e da representação. Pode desenvolver uma “sintonia fina” no vínculo entre profissional de saúde e paciente.

 

sexta-feira, 12 de março de 2021

Medicina Narrativa e Interdisciplinaridade

 

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

 

     Um assunto que é repetido nas primeiras aulas sobre Medicina Narrativa é o fato dela ser um campo, uma atividade interdisciplinar. Nesse sentido, queremos explicar um pouco o que significa Interdisciplinaridade, pelo menos da maneira como usamos esse termo.

     A escrita sobre “disciplinaridades” começou no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra, em cujas universidades o estudo da Língua Inglesa e da Literatura Inglesa foi considerado como uma atividade “interdisciplinar” entre os variados cursos.

     Embora as “disciplinas” existam desde a antiga Grécia, o uso dessa palavra “disciplina” como se referindo a uma área do conhecimento   começa no século XX. Antes disso, se referia mais frequentemente ao sentido de ordem, hierarquia, seguir normas. No transcorrer do século XX, as antigas “cátedras” foram se tornando “disciplinas”.

     Após a Segunda Guerra Mundial, mudanças começam a acontecer no campo da Educação, entre elas a popularização do estudo em universidades, antes restrito. Gradativamente também aconteceu a passagem de Cátedras, onde o Professor Catedrático era um Chefe vitalício, para um sistema de “disciplinas” com chefia rotatória. Deve-se salientar que o nome em português “disciplina” para área do conhecimento nem sempre tem tradução próxima em outras línguas. Em inglês, por exemplo, é mais usado “Department” em vez de “disciplina”.

     Também após a Segunda Guerra Mundial começou-se a pensar a respeito da Educação de maneira epistemológica, buscando trazer para a contemporaneidade os modelos de ensino/aprendizado tradicionais. Os grupos que passaram a estudar esses fatores começaram a usar as palavras “multidisciplinar” e “interdisciplinar”. Em 1970, Jean Piaget lançou o termo “transdisciplinaridade”.

     De um modo geral, a palavra “multidisciplinaridade” é usada para descrever o modelo mais tradicional de ensino, onde uma pessoa que estuda no segundo grau sai, por exemplo, de uma aula de Matemática e vai para uma aula de Geografia; depois vai para uma aula de Português, e assim por diante. De modo semelhante, no curso universitário. Portanto, existe a convivência de várias áreas do conhecimento, mas com certa distância, cada área com sua linguagem e seu método. Com suas próprias barreiras e regras que ajudam a definir cada “disciplina”.

     No campo profissional, vale ressaltar que se pode encontrar uma atividade “multiprofissional”, que pode ser tanto “multidisciplinar” como “interdisciplinar”. Daqui a pouco vamos entender mais sobre isso.

     Eventualmente, temos a “unidisciplinaridade” em um local ou setor em que aconteça apenas uma única área do conhecimento. A maioria dos cursos universitários é bastante multidisciplinar, às vezes interdisciplinar. A unidisciplinaridade pode haver em uma atividade muito restrita fora da universidade.

     Portanto, a convivência “multidisciplinar” é bastante comum nas escolas e faculdades em geral.

     Na “Interdisciplinaridade”, passa a acontecer uma troca de informações entre diferentes áreas do conhecimento, de modo que passa a haver um compartilhamento de linguagens e de métodos, eventualmente se adota a mesma linguagem e o mesmo método em algumas situações.

     Na “multidisciplinaridade” existe de maneira mais forte a identificação de grupo, de profissão, de habilidades práticas próprias de um campo do conhecimento. Nesse âmbito, preserva-se a noção de “identidade profissional” e de identificação com os seus pares.

     Na “interdisciplinaridade” já os diferentes grupos passam a aceitar “correr o risco” de abrir suas fronteiras para outras áreas. Mas isso deve acontecer sem a perda da identidade da disciplina, pois como disse Moran “não há interdisciplinaridade sem disciplinas”. Nem a interdisciplinaridade e nem a “transdisciplinaridade” visam o fim das disciplinas. Como diz Edgar Morin, uma das maiores autoridades em transdisciplinaridade, tanto multi, como inter e como transdisciplinaridade têm suas áreas de atuação.

     Quando se tem alguém extremamente especializado em um determinado item, por exemplo, da Oftalmologia, de modo que essa pessoa seja uma das poucas capazes de fazer um determinado procedimento, esse é uma campo que se enquadra dentro da multidisciplinaridade. Eventualmente, esse profissional pode resolver fazer algum tipo de trabalho, prático ou de pesquisa, onde ele envolva pessoas de áreas de Ciências Humanas, ou ainda da área de Medicina Preventiva, onde haja necessidade de que todos possam entender sua diferentes linguagens, ou ainda que todos entendam do que se trata a temática em questão, ou ainda que usem métodos que possam ser comuns entre as partes. Pode ser que se inicie aí um trabalho “interdisciplinar”. Se todas essas pessoas estiverem trabalhando juntas, mas ficarem cada uma na sua área, aí será um trabalho “multidisciplinar”. Nesses dois exemplos, os trabalhos são “multiprofissionais”, mas no primeiro é interdisciplinar e no segundo é multidisciplinar.

     A Medicina Narrativa é interdisciplinar. Ela envolve diferentes áreas do conhecimento, fazendo com que diferentes disciplinas procurem trocar linguagem, conhecimento e prática, na medida em que tenha nas diferentes linguagens um campo comum em que essas áreas tenham que transitar.

     Depois poderemos falar de transdisciplinaridade, que também pode ser vista no canal do youtube de Afonso Carlos Neves Neuro.  

quarta-feira, 3 de março de 2021

Curso de Extensão “Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à Saúde”. 2021 Aula 1 - Resumo

Curso de Extensão “Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à Saúde”. 2021

Aula 1 – Resumo

Preâmbulos sobre a Neuro-Humanidades.

     Neuro-Humanidades corresponde a uma interface do Neuroconhecimento com as Ciências Humanas. Neste âmbito, consideramos que não há evento ou processo humano que seja “a-histórico” e nem “a-psicológico”. A dimensão histórica, social, coletiva e a dimensão psicológica estão sempre presentes, inclusive no campo científico. Também não temos a última palavra sobre qualquer coisa, nem todas as respostas. Enfocamos mais os vínculos e os processos entre as coisas do que as próprias coisas. A linguagem tem um papel fundamental no Conhecimento e a metáfora tem um papel importante na construção do Conhecimento.

     Temática “Narrativa, Saúde e Doença”.

     Neste item lembramos que no ano 2000 a Dra. Rita Charon criou oficialmente a Medicina Narrativa, embora várias iniciativas sobre narrativa já ocorressem no mundo.

     Para entender melhor o binômio saúde-doença podemos lembrar a origem do ser humano em sentido amplo, de modo que três fatores se interrelacionam: ser humano, cultura e linguagem. No momento em que começou a existir “ser humano”, conjuntamente também surgiram “cultura” e “linguagem”, significando que o ser humano já surge coletivo e não só individualmente. A coletividade é atravessada pelas individualidades e as individualidades são atravessadas pela coletividade. É nesse processo que vão surgir as noções mais remotas de saúde e doença.

     Desde sempre o ser humano desenvolveu narrativas sobre si, sobre os outros, sobre o mundo e sobre esses diferentes fatores correlacionados. Há quem diga que “a narrativa” desenvolveu a humanidade em um sentido para além do biológico. A narrativa teria “construído o tempo” para o ser humano e sua situação no espaço.

     Narrativa, tempo, espaço do ser humano construíram-se a partir da memória e, por sua vez, também construíram a memória e a memória coletiva no sentido cultural.

     Exercícios de narrativa podem educar a mente racional e emocional para o cuidado à Saúde. Vaillant chamou de emoções positivas: compaixão, perdão, amor, esperança, alegria, fé/confiança, reverência, gratidão. Essas emoções podem ser trabalhadas pelo trabalho com narrativa. Fazem parte de uma capacidade parental inata nos mamíferos do amor parental desinteressado. A cria dos mamíferos, principalmente dos seres humanos, é totalmente dependente dessa capacidade. O cérebro mamífero é “límbico e sensível”.

     Foi falado sobre a diferença entre “história” e “estória” (esta forma não pode mais ser formalmente usada) semelhante a “history” e “story” em inglês. Isso pode ajudar a ressalvar a diferença que existe entre “história clínica” e as “estórias” da vida do paciente. A Medicina Narrativa surgiu da atenção às “estórias” dos pacientes, a qual vai além da “história clínica” mais tradicional.

     Na temática “disciplinaridades”.

     A Medicina Narrativa é intrinsecamente “interdisciplinar”.

     Lembramos que uma atividade “multiprofissional” pode ser “multidisciplinar” ou “interdisciplinar”.

     Foi exposta a conceituação e diferença entre multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade. Essa conceituação voltará a ser abordada na aula 2.   

 

domingo, 24 de janeiro de 2021

Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à saúde. (2021)

 

Curso de Extensão

Ementa:

A Medicina Narrativa corresponde a uma abordagem da questão saúde-doença do ponto de vista da narrativa, da história do doente em seu sentido mais amplo, compreendendo não apenas aspectos biológicos, mas também sociais, culturais e de sua própria visão do adoecer. Nesse sentido, uma das ferramentas da Medicina Narrativa é a Literatura, além do estudo da linguagem. Esse processo pode aprimorar a percepção clínica, bem como fornecer mais elementos para a equipe multiprofissional que atua conjuntamente, seja no sentido diagnóstico como terapêutico.

Responsável: Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

-      Prof. Dr. Afonso Carlos Neves – Professor Afiliado da Disciplina de Neurologia da Unifesp, Coordenador do Setor de Neuro-Humanidades da Disciplina de Neurologia. Mestrado e Doutorado em Neurologia (Unifesp), Pós Doutorado em Neurologia (UCSF) e Doutorado em Historia Social da Ciência (USP).

 

Público Alvo:

- Todos os interessados que estejam cursando nível superior ou já tenham concluído.

Link para inscrição:

 https://sistemas.unifesp.br/acad/proec-siex/index.php?page=INS&acao=1&code=19202

 

 

Carga horária: 44 horas, sendo 22 horas de aula teórica/seminários e 22 horas de preparação para os seminários, que dizem respeito a trabalhos com textos literários. 

Limite de vagas: até 80 alunos.

As atividades serão online pela plataforma Zoom https://us02web.zoom.us/j/9721023120

Programa: (horário das aulas: das 18:00 às 19:30 horas)

Aula 1 – 01/03

                Fundamentos da Medicina Narrativa I

Aula 2 – 08/03

               Fundamentos da Medicina Narrativa II

Aula 3 – 15/03

               Fundamentos da Medicina Narrativa III

Aula 4 – 22/03

               Fundamentos de Medicina Narrativa IV

Aula 5 – 05/04

              Fundamentos de Neuro-Narrativa I

Aula 6 – 12/04

              Fundamentos de Neuro-Narrativa II

Aula 7 – 19/04

             Fundamentos de Neuro-Narrativa III

Aula 8 – 03/05

             Fundamentos de Neuro-Narrativa IV

 

Aula 9 – 10/05

             Exercícios narrativos

Aula 10 – 17/05

             Exercícios narrativos

Aula 11 – 24/05

             Exercícios narrativos

Aula 12 – 7/06            

             Seminário I 

Aula 13 – 14/06

            Seminário II

Aula 14 – 21/06

            Seminário III

Aula 15 – 28/06

            Seminário IV

 

Bibliografia:

Boyd, Brian – On the Origin of Stories – Evolution, Cognition and Fiction. Harvard University Press, 2009.

Charon, Rita – Narrative Medicine – Honoring the stories of Illness. Oxford University Press, 2006.

Frank, A. W. – The Wounded Storyteller – Body, Ilness and Ethics. The University of Chicago Press, 2013 (1995).

Hawkins, A. H. & McEntyre, M. C. – Teaching Literature and Medicine. The Modern Language Association of America, New York, 2000.

Mehl-Madrona, Lewis – Healing the mind through the power of story. Bear & Company.

Mehl-Madrona, Lewis – The Use of History and Story in the Healing Process. Bear & Company.

Remen, Rachel Naomi – Kitchen Table Wisdom – stories that heal. Riverhead Books, 1996.

Remen, Rachel Naomi – As Bençãos do Meu Avô. Editora Sextante, 2001.  

Ricoeur, Paul – Tempo e Narrativa. Editora Martins Fontes, 2010.

Vol.1 – A intriga e a narrativa histórica.

Vol.2 – A configuração do tempo na narrativa de ficção.

Vol.3 – O tempo narrado.

Outras referências a serem citadas em sala de aula referentes a textos literários dos escritores Moacyr Scliar, Mário de Andrade, Lima Barreto, Thomas Mann, A. J. Cronin, Clarice Lispector e outros.