quarta-feira, 13 de abril de 2016

Multi, Inter, Transdisciplinaridade – Parte 2


As palavras Multidisciplinaridade, Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade passaram a circular em ambientes relacionados a estudos do Conhecimento e da Educação principalmente a partir da década de 1990. Tais termos passaram a ser muito utilizados na linguagem cotidiana desses e de outros campos de estudo, de tal modo que acompanharam até mesmo certo modismo nos discursos em torno desses temas e de temas similares.
Cada palavra carrega diversos elementos além do seu significado básico inicial. Esses elementos podem ser tanto racionais quanto emotivos e podem despertar atração ou repulsão dependendo do contexto em que o termo esteja sendo usado, ou seja, dependendo de espaço, tempo e do agrupamento humano que faça uso do termo específico.
Talvez por conta da força do próprio prefixo “multi”, que sinaliza algo próspero, crescente, positivo, progressivo, o termo “multidisciplinar” frequentemente é usado para além de seu significado original. Não queremos dizer com isso que esse uso esteja errado. As palavras têm diversos sinônimos e significados dependendo do ambiente em que estejam sendo usadas. No entanto, tem havido algum engano no uso da palavra “multidisciplinar” por se estar querendo dizer alguma coisa que talvez tenha melhores palavras para descrever, como, por exemplo, “interdisciplinaridade”, ou eventualmente pela descoberta da palavra “multidisciplinaridade” por alguém que tenha certo encanto pela sonoridade e pela aparente praticidade que a palavra pode proporcionar, ou ainda por ser uma palavra que possa engrandecer a atividade ou a pessoa que a aplique, bem como por certa sensação de modernidade ou contemporaneidade ao pronunciar ou escrever “multidisciplinaridade”.
Como multidisciplinaridade reúne o prefixo “multi”, de origem grega e a raiz “disciplina”, de origem latina, os franceses preferem o termo “pluridisciplinaridade”. Na verdade, ambos dizem respeito à mesma coisa.
Com certa frequência alguém diz que “agora aqui já somos multidisciplinares”, ou “agora adotamos a multidisciplinaridade”. Isso pode ser verdade se o local em questão tiver sido apenas “unidisciplinar” anteriormente. Nem sempre é esse o caso.
Embora o uso desse termo tenha começado na segunda metade do século XX, podemos dizer que a multidisciplinaridade tenha começado com Aristóteles. Devemos frisar que o próprio Aristóteles não tinha como se considerar “multidisciplinar”, haja vista ser esse um conceito de nossos tempos. No entanto, na cultura ocidental, ele foi o primeiro que estabeleceu de maneira mais regularizada, ou organizada, a divisão de áreas do Conhecimento. Certamente ele foi precedido por outros que também tinham certa divisão de campos do Conhecimento. Se formos nos reportar aos primórdios mais longevos da humanidade a respeito de quando teria se iniciado a divisão de Conhecimento, iremos até o Período Paleolítico da Pré-História, na assim chamada cultura de “caçador-coletor”, onda já havia uma divisão de trabalho e, portanto de conhecimento entre dois grupos: homens caçadores de animais, mulheres coletoras de materiais vegetais diversos. Essa divisão de trabalho propiciou um gradual aprimoramento de cada um desses grupos na sua própria área de conhecimento, de modo que a partir de certo ponto passaram a ter noção de refinados e detalhados fatores de suas áreas respectivas, incluindo até determinados “segredos” da arte de cada uma dessas áreas. Isso certamente acabou levando a um processo de “iniciação” das pessoas mais jovens, com etapas de aquisição de conhecimento desde a infância e a partir de certa idade com “rituais de passagem”, indicando a possibilidade de prosseguir na aquisição de conhecimento e sua aplicação prática.
Se assim era na Pré-História, mais refinado passa a ser quando o Conhecimento se torna sistematizado e organizado, principalmente a partir dos filósofos, quando falamos de Ocidente, e, de certa forma, culminando com Aristóteles como um organizador algo formal desse Conhecimento. Evidentemente o processo não para por aí. Mas, entre os filósofos anteriores a Aristóteles e ele próprio, podemos propor que ele tenha sido o primeiro a relacionar as áreas do Conhecimento, de modo que sejam similares a aquilo que denominamos “multidisciplinaridade”. 

segunda-feira, 4 de abril de 2016

Multi, Inter, Transdisciplinaridade – parte 1


Os termos multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade apareceram no século XX, a partir de reflexões e discussões em torno de conhecimento, educação, estudos, pesquisas, etc. Portanto, podem também ser vistos como ligados à Epistemologia.
Epistemologia é o “estudo do Conhecimento”. Não diz respeito ao conhecimento em si das coisas vistas pelas diversas áreas do conhecimento, também chamadas de “disciplinas”.
O estudo do Conhecimento procura entender como ele se processa, como ele se organiza, quais suas correlações com outros campos de estudo e assim por diante. Sendo assim, esse estudo do Conhecimento tem intersecção com várias áreas.
Quando se fala do processo ou do processamento do Conhecimento hoje em dia, logo se pensa em Neurociências. Pensa-se em como o sistema nervoso “produz” conhecimento, ou processa “conhecimento”. Muitas vezes acha-se que isso basta para entender o Conhecimento, mas não é assim.
O estudo neurocientífico do Conhecimento é importante, pode ser tido como necessário, mas não é suficiente para todo o entendimento a respeito do Conhecimento. Pode-se até diferenciar “processo” de “processamento” do Conhecimento. O “processamento” é mais adequado ao aspecto neurobiológico da formação e produção de Conhecimento. O “processo” já diz respeito a outros aspectos correlacionados a fatores culturais, sociais, filosóficos e seus desdobramentos e correlações.
Também podemos lembrar que conhecimento, educação, estudos, pesquisas, e outros fatores têm similaridades, mas não são sinônimos. No entanto, a abordagem a partir de multi, inter, transdisciplinaridade pode servir a uma compreensão mais ampla a respeito desses temas.
O entendimento de uma área do conhecimento como sendo uma “disciplina” ocorre mais a partir do século XX. Esse nome específico liga-se a uma série de noções que foram, aos poucos, substituindo a antiga ideia de “cátedra” para uma área do conhecimento ou para uma seção específica dentro da universidade, ou ainda para o que se configurou a partir da segunda metade do século XIX e consagrou-se no século XX como “especialidade” em certos campos.
A preocupação dos estudiosos de como se correlacionam as diversas disciplinas iniciou-se na década de 1920, mas ganhou mais corpo a partir da década de 1960. Cada um desses momentos tem suas peculiaridades históricas. Nas duas últimas décadas do século XX o discurso a respeito dos três temas passou a ser mais frequente, com publicações, debates, e polêmicas. O século XXI se presta mais a uma melhor circulação e aplicação de tais termos.
Deve-se frisar que as três palavras não caracterizam três degraus de uma mesma escada. Cada uma das três instâncias têm aspectos que as particularizam, de modo que também não se fala em alguma coisa que caminha de um nível menor para um nível maior. Também não diz respeito a menor ou maior abrangência. Mas pode-se dizer que são níveis diferentes de abordagem do Conhecimento ou de como as áreas do Conhecimento se articulam.