quarta-feira, 8 de novembro de 2017

Noções de História da Ciência – Parte 2


     O século XVII usualmente é chamado de Século da Revolução Científica. No entanto, deve-se entender que essa é uma noção construída nos séculos XIX e XX. Ninguém do próprio século XVII chamava sua própria época de uma época de Revolução Científica e nem chamava aquilo em que se envolvia, nem mesmo os que se envolviam com Ciência, de Revolução Científica. O próprio conceito de Revolução ainda não existia. A noção de Revolução que será ligada à ideia de revolução política só vai ganhar força a partir da Revolução Francesa em 1789, no fim do século XVIII.
     Portanto, a assim chamada Revolução Científica foi construída séculos depois de seu suposto acontecimento. Por outro lado, isso não tira o valor daqueles que propiciaram ter-se essa ideia de que teria havido uma Revolução Científica no século XVII. O que aconteceu de diferente nesse período foi o aparecimento de ideias que deram início a métodos que levaram ao Conhecimento Científico.
     Há que se entender porque das noções de Conhecimento, em sentido amplo do termo, começa a ser separado um tipo específico de Conhecimento que vai se consagrar como Conhecimento Científico. Essa expressão vai se firmar na medida em que a Ciência passa a se destacar do Conhecimento.
     O aparecimento da chamada Ciência Moderna nesse século XVII acompanha o gradual uso da linguagem vernácula, em substituição ao Latim, para textos de Conhecimento ou textos científicos.
     A linguagem da Universidades era em Latim, porque desde o Império Romano e mesmo antes, na República Romana, as pessoas aprendiam a ler e escrever em Latim. Com o passar do tempo, isso se manteve, mas gradualmente os estudantes voltavam da escola para suas casas onde cada vez mais se falava a língua local e cada vez menos o latim. Assim, na medida em que a Idade Média avança, o Latim permanece como a língua das escolas, onde se aprende, inicialmente, a ler e escrever, e posteriormente o aprendizado mais elaborado de então. Na Idade Média (e desde os tempos de Aristóteles) consolidaram-se o Trivium e o Quadrivium como modelos de Ensino/Aprendizado. Como os próprios nomes sugerem, Trivium e Quadrivium correspondem a três e quatro disciplinas de estudo. O trívium: Gramática, Retórica, Dialética; o quadrivium: aritmética, geometria, astronomia e música. No transcorrer da Idade Média surgem pré-universidades até que em torno dos séculos X/XI começam as instituições inicialmente chamadas de Estudos Gerais, antes de terem o nome de Universidades. Inicialmente há quatro faculdades: Medicina, Artes, Teologia e Leis.
     Nos séculos XVI e XVII iniciam as Academias. Nessas instituições começaram as primeiras atividades que podem ser consideradas como primórdios de pesquisas científicas que vão configurar a Ciência Moderna. Nesse contexto que no século XVII as três figuras, Francis Bacon, Galileu Galilei e René Descartes vão elaborar os métodos de pesquisa que dão início à Ciência Moderna e à Ciência como separada do Conhecimento. Mas devemos lembrar que a Ciência também é chamada de Filosofia Natural até a transição do século XVIII para XIX.
     

domingo, 5 de novembro de 2017

Noções de História da Ciência - Parte 1


Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Preâmbulo: O uso das palavras...
Thomas Kuhn em “Depois da estrutura” (1996) refere ter descoberto que o sentido da palavra “movimento” em Aristóteles é diferente do sentido que essa palavra tem em Física. P. ex., para Aristóteles, a metamorfose de larva em borboleta é um tipo de “movimento”.
Assim ele fala em “Incomensurabilidade de diferentes ou sucessivas teorias”.
Nesse sentido, a linguagem precede as teorias, embora seja também modificada pelas próprias teorias.

A palavra “História”:
Provém de vocábulo grego equivalente a “testemunho”, sendo o nome da obra de Heródoto (484-420 a.C.), tradicionalmente chamado de “Pai” da História.
A História como narrativa de testemunhos se mantém até o século XVII. Nesse período inicia-se o estudo crítico de documentos em 1681 com o monge Mabillon (1632-1707) e sua obra De re diplomática, que trata de análise crítica de documentos antigos. Juntamente com ele trabalhou também Daniel Papebroch (1628-1714). Concomitantemente formaram-se os jesuítas bolandistas (Jean Bolland), com estudos sobre hagiografia (vida dos santos).
Em 1685 Richard Simon (1638-1712) inicia uma história crítica da Bíblia.

Os “Enciclopedistas” aparecem no Século XVIII, com os Iluministas. Denis Diderot (1713-1784) é o principal responsável pela primeira encoclopédia moderna a “Encyclopédie” (1750-1772).

Jules Michelet (1798-1874) no século XIX faz uma História Narrativa extensa de cunho anticlericalista. Começa a escrever em 1825.

Marc Bloch (1886-1944) e Lucien Febvre (1878-1956) em 1929 começam a “Nova História”. Fundaram a Escola dos “Annales” com a revista “Annales d’Histoire Économique et Sociale”. Lançam um olhar sobre aspectos menos vistos pela História Convencional. Realçaram uma “psicologia dos testemunhos”.
Nos anos 1960 inicia-se uma História das mentalidades, tendo entre seus nomes Michel Foucault (1926-1984) e Carlo Ginzburg (1939- ).

A Periodização histórica foi algo criado, em geral, tempos depois daquilo de que ela trata. Assim, os renascentistas e principalmente os iluministas e pós-iluministas criaram a imagem da Idade Média como Idade das Trevas , com apenas ignorância e seus desdobramentos. As pesquisas nas últimas décadas têm mostrado que essa visão é equivocada. Atualmente sabe-se que havia ciência na Idade Média.
A periodização histórica começou com Petrarca e Bruni no século XIV e se consolidou nos séculos XVII e XVIII a partir de Cristoph Cellarius (1634-1707).
De maneira mais convencional podemos considerar:
Periodização pré-histórica:
500 mil a 10 mil a.C – Paleolítico.Idade da Pedra Lascada.
(20 mil a 10 mil a.C. – mesolítico?).
10 mil a 4 mil a.C. – Neolítico.Idade da Pedra Polida.
Sedentarismo. Agricultura. Criação de animais.

Idade Antiga: 4000 a.C. – 476 d.C.
do início da Escrita ao fim do Império Romano do Ocidente
Idade Média: 476 – 1453 d.C.
Do Fim do I.R. do Ocidente ao fim do I.R. do Oriente
Idade Moderna: 1453 – 1789 d.C.
Do Fim do I.R.Oriente à Revolução Francesa
Idade Contemporânea: após 1789.

Periodização pré-histórica:
500 mil a 10 mil a.C – Paleolítico.Idade da Pedra Lascada.
(20 mil a 10 mil a.C. – mesolítico?).
10 mil a 4 mil a.C. – Neolítico.Idade da Pedra Polida.
Sedentarismo. Agricultura. Criação de animais.

1789 – início da IDADE CONTEMPORANEA
Século XIX:
A palavra MODERNIDADE é conceituada por Baudelaire caracterizando o que é fugaz, passageiro.
Nesse período surgem: Revolução Industrial, aprimoramento da Tecnologia, nova urbanização. Como contraponto aparece o movimento do Romantismo, com nostalgia por elementos medievais.

Hegel, filósofo idealista, fala do “moderno” na história. O Romantismo aparece em um tempo de “ideais” como contraponto à Revolução Industrial e às novidades científicas na transição do século XVIII para século XIX.
Pode-se considerar que um Período Moderno ocorreu de 1800 a 1950.

A Pós-Modernidade foi conceituada por Lyotard, como sendo um período a partir dos anos 1950.
O tempo Pós-Moderno se caracteriza então por ser um tempo das “eficiências”, do “pragmatismo”, de “resultados”.
As duas primeiras décadas do século XXI têm sido um período de transição para um período Pós-pós-moderno, na medida em que eficiência, pragmatismo e resultados não têm dado conta das questões atuais.

A palavra Ciência vem de Scientia :
é um termo técnico em Descartes que vem do verbo latino scire para “conhecer”.
Refere-se em Descartes à obtenção de uma ciência unificada (séc. XVII).
Ele define scientia como “cognição certa e evidente” (Regra II das Regulae).
Põe o raciocínio contra a “sabedoria acumulada”.
Já anteriormente a ele, Scientia em S. Tomás de Aquino estava submetida à Lógica Aristotélica (Escolástica).
Com o gradual uso das línguas vernaculares no lugar do latim para o discurso científico, a palavra Scientia, ao ser traduzida passou a ser utilizada cada vez mais com o sentido que tem atualmente como um tipo de Conhecimento decorrente do Método Científico.
A História da Ciência inicia-se praticamente no século XX.

Inicialmente teve-se a História “Whig”:
Termo atribuido em 1931 por Herbert Butterfield a uma história
que acredita em uma marcha evolutiva inevitável para o progresso
através da ciência.

Outros conceituadores em Filosofia e História da Ciência tiveram ideia um pouco diferente.

Gaston Bachelard (1884-1962) questionava a história da Ciência linear e as tendenciosidades dos cientistas. Algumas obras:
1934 – “O novo espírito científico”
1938 – “A formação da mente científica”

Georges Canguilhem (1904-1995), médico e historiador:
1943 – “O normal e o patológico”
1952 – “O conhecimento da vida”

Karl Popper (1902-1994). Filósofo da Ciência, escreveu em 1934  “A Lógica da Descoberta Científica”.
Propunha um racionalismo crítico frente á Ciência e o seu conhecido critério de falsificabilidade para identificar o que seria científico.

Alexander Koiré (1892-1964) questionava a imparcialidade dos cientistas. Escreveu em 1939 – “Estudos galileanos”.

Conceituação de Paradigma:
Paradigma é um termo que já existia como sinônimo de “modelo”.
O físico Thomas S. Kuhn (1922-1996) em “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962-1970) estabelece conceito de paradigma científico:

“Considero ‘paradigmas’
as realizações científicas
universalmente reconhecidas que,
durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares
para uma comunidade
de praticantes de uma ciência”.

Assim ele refere que o Paradigma é como um Quebra-cabeça:
Só se pode fazer perguntas (problemas) dentro do modelo.
Só se pode fornecer respostas (soluções) dentro do modelo.
Por algum tempo, o paradigma dá conta das perguntas, no período de “ciência normal”, quando se repetem os seus métodos.
Chega um momento em que alguém começa a formular perguntas (problemas) que não cabem no quebra-cabeça (modelo).
Esse indivíduo é considerado excêntrico, louco, de competência duvidosa, “um poeta”, etc.
Um conflito pode estar presente na linguagem e/ou no método,
tanto da formulação do problema quanto na busca/proposta de solução.
Com a conceituação de paradigma científico por Thomas Kuhn, passa-se de uma visão de história da Ciência simplesmente linear e cumulativa para uma noção mais dinâmica e contextualizada.

Outras visões dentro de Sociologia e História da Ciência:
Anos 1970 – “Programa Forte” da Sociologia da Ciência.
David Bloor, Barry Barnes, Harry Collins, Donald MacKenzie, John Henry.
A – Causalidade: condições psicológicas, sociais, culturais.
B- Imparcialidade: examina sucesso e insucesso
C- simetria: mesma explanação para ambos
D – reflexividade: aplicável à sociologia.

Anos 1980 –
Teoria Ator-rede (Actor-network theory)
Michel Callon, Bruno Latour, John Law.
Valoriza o papel dos “não-humanos” na ciência.
Adentra ao laboratório para investigar o dia a dia do cientista e dos “não-humanos” presentes na atividade científica.

História da Ciência e da Medicina:
História internalista: a história feita pelos membros de uma disciplina científica, muitas vezes para edificar a identidade do grupo.
História externalista: a história de um campo científico feita por historiadores com métodos próprios de Ciências Humanas. P. ex.:
Canguilhem; Foucault; Puertas; Porter; etc.