domingo, 5 de julho de 2015

Sobre o artigo “Padrão Xangai” do professor José Antonio Segatto e a crise nas universidades


Foi publicado no jornal “O Estado de São Paulo”, em 18 de Junho de 2015, o artigo do Professor Titular de Sociologia da Unesp José Antonio Segatto intitulado “Padrão Xangai”.
Ele inicia citando o entusiasmo dos meios acadêmicos com o fato de cinco ou seis universidades brasileiras aparecerem nos rankings internacionais listadas entre centenas de melhores universidades no mundo.
Em seguida, observa que pela busca de ascensão nos rankings, as universidades públicas têm procurado adotar as exigências e o padrão para “produção, reprodução, gestão e difusão científicas”, disseminados há décadas pelas universidades americanas e “reciclados” no Oriente, em Xangai, Hong Kong, Jacarta, Seul, Taipé, etc. Esse padrão, com seu clímax nas décadas de 1980 e 1990, baseia-se em “mercantilização do Trabalho intelectual e científico, a competitividade, a produtividade, o empreendedorismo, a objetividade, a racionalidade instrumental e a internacionalização, entre outros elementos”.
Refere então que esse padrão tem sido lentamente adotado, inclusive como contraponto ao corporativismo e fraca produção acadêmica e científica do corpo docente, e como reação do conservadorismo às teorias críticas tidas como ideológicas e especulativas. Considera então que seria o desfecho de um processo de americanização das universidades brasileiras iniciado nos anos 1960.
Assim, conforme o padrão Xangai, o trabalho intelectual e científico passaria a buscar a maximização de resultados, o índice de desempenhos (performance), indicadores de produtividade e difusão (impacto). Desse modo, a tríade tradicional acadêmica – ensino, pesquisa e extensão – foi sendo substituído por competividade, produtividade, empreendedorismo, internacionalização.
Podemos acrescentar às palavras do professor Segatto que o estudioso canadense Bill Readings em sua obra “The University in Ruins” (1996) já apontava, de modo similar, essa transformação da Universidade. Da Universidade Moderna, cujo padrão teria sido a Universidade de Berlim, fundada por Wilhelm von Humbolt, em 1810, à Universidade Pós-Moderna, ou como prefere Readings, “Pós-Histórica”. Assim, a universidade moderna, que teria consagrado ensino, pesquisa, etc. (que ele também chama de Universidade da Cultura), ao se tornar pós-moderna teria passado a valorizar a excelência, os resultados, a eficiência (que ele também chama de Universidade da Excelência). Nesse processo de transformação ele considera que ocorreu um esvaziamento do sentido das universidades, passando a terem como finalidade o lucro e fatores similares, diferentemente da formação do indivíduo em si.
Voltemos ao texto do professor Segatto. Pelos fatores citados, a produção, transmissão e aplicação do trabalho científico mudaram de rumo. Desse modo ele cita: 1 – mercantilização da Ciência, com o cientista transformado em businessman, voltado para patentes e copyrights; 2 – eficiência dos docentes e pesquisadores medida por planilhas de controle de resultados e atividades; 3 – relevância dada à publicação de artigos breves e coletivos (segundo ele, milagre de multiplicação de autores) em revistas, coletâneas, anais de congresso, em vez de livros ou pesquisas de maior maturação; 4 – oficialização do inglês para publicações nacionais e internacionais, inclusive pagas; 5 – incentivo à captação de recursos por agências externas à universidade, valendo a pesquisa quanto maior o recurso obtido; 6 – estímulo à hiperespecialização e investigação de micro-objetos e fenômenos que possam ter investigação rápida, devido à exigência de produtividade; instala-se a “compartimentalização disciplinar, o minimalismo explicativo, o efêmero e o descartável”.
O professor Segatto considera então que os volumes de recursos passam a ser colossais, com aumento exponencial da produção científica; são editadas em torno de cinco mil revistas científicas no Brasil. Ele pergunta se esse aumento de investimento e produtividade gera o devido retorno em inovação e relevância científica. Cita então a revista Nature, que em 2014 mencionou que “o desempenho qualitativo é inversamente proporcional aos vultosos gastos e ao abundante quantum gerado”.
O professor conclui então que a produção científica e intelectual passou a estar ligada à autorreprodução de nichos corporativos, e não voltada para os interesses da sociedade, porém para “coletividades ou confrarias de interesses e afinidades particulares”. Ele então pergunta se é esse o padrão científico que queremos para as nossas universidades.
Pode ser que não se concorde com todos os pontos citados pelo professor, como por exemplo, o uso do inglês ou a internacionalização. Mas suas considerações servem para uma reflexão a respeito do que se vê atualmente com uma universidade aparente, desses padrões, e a universidade real que precisa formar indivíduos para a sociedade. O artigo de 2014 da Nature revela a constatação de que o Período Pós-Moderno da História, onde predominava o pragmatismo, a eficiência e os resultados, já passou ou está passando. Vivemos em uma transição ao Pós-pós-moderno, que ainda não sabemos exatamente como será, mas que certamente não se pauta mais pelos paradigmas da segunda metade do século XX.