Foi publicado no jornal “O Estado
de São Paulo”, em 18 de Junho de 2015, o artigo do Professor Titular de
Sociologia da Unesp José Antonio Segatto intitulado “Padrão Xangai”.
Ele inicia citando o entusiasmo
dos meios acadêmicos com o fato de cinco ou seis universidades brasileiras
aparecerem nos rankings internacionais listadas entre centenas de melhores
universidades no mundo.
Em seguida, observa que pela busca
de ascensão nos rankings, as universidades públicas têm procurado adotar as
exigências e o padrão para “produção, reprodução, gestão e difusão científicas”,
disseminados há décadas pelas universidades americanas e “reciclados” no
Oriente, em Xangai, Hong Kong, Jacarta, Seul, Taipé, etc. Esse padrão, com seu
clímax nas décadas de 1980 e 1990, baseia-se em “mercantilização do Trabalho
intelectual e científico, a competitividade, a produtividade, o
empreendedorismo, a objetividade, a racionalidade instrumental e a
internacionalização, entre outros elementos”.
Refere então que esse padrão tem
sido lentamente adotado, inclusive como contraponto ao corporativismo e fraca
produção acadêmica e científica do corpo docente, e como reação do
conservadorismo às teorias críticas tidas como ideológicas e especulativas.
Considera então que seria o desfecho de um processo de americanização das
universidades brasileiras iniciado nos anos 1960.
Assim, conforme o padrão Xangai,
o trabalho intelectual e científico passaria a buscar a maximização de
resultados, o índice de desempenhos (performance), indicadores de produtividade
e difusão (impacto). Desse modo, a tríade tradicional acadêmica – ensino,
pesquisa e extensão – foi sendo substituído por competividade, produtividade,
empreendedorismo, internacionalização.
Podemos acrescentar às palavras
do professor Segatto que o estudioso canadense Bill Readings em sua obra “The
University in Ruins” (1996) já apontava, de modo similar, essa transformação da
Universidade. Da Universidade Moderna, cujo padrão teria sido a Universidade de
Berlim, fundada por Wilhelm von Humbolt, em 1810, à Universidade Pós-Moderna, ou
como prefere Readings, “Pós-Histórica”. Assim, a universidade moderna, que
teria consagrado ensino, pesquisa, etc. (que ele também chama de Universidade
da Cultura), ao se tornar pós-moderna teria passado a valorizar a excelência,
os resultados, a eficiência (que ele também chama de Universidade da
Excelência). Nesse processo de transformação ele considera que ocorreu um
esvaziamento do sentido das universidades, passando a terem como finalidade o
lucro e fatores similares, diferentemente da formação do indivíduo em si.
Voltemos ao texto do professor
Segatto. Pelos fatores citados, a produção, transmissão e aplicação do trabalho
científico mudaram de rumo. Desse modo ele cita: 1 – mercantilização da
Ciência, com o cientista transformado em businessman, voltado para patentes e
copyrights; 2 – eficiência dos docentes e pesquisadores medida por planilhas de
controle de resultados e atividades; 3 – relevância dada à publicação de artigos
breves e coletivos (segundo ele, milagre de multiplicação de autores) em
revistas, coletâneas, anais de congresso, em vez de livros ou pesquisas de
maior maturação; 4 – oficialização do inglês para publicações nacionais e
internacionais, inclusive pagas; 5 – incentivo à captação de recursos por
agências externas à universidade, valendo a pesquisa quanto maior o recurso
obtido; 6 – estímulo à hiperespecialização e investigação de micro-objetos e
fenômenos que possam ter investigação rápida, devido à exigência de
produtividade; instala-se a “compartimentalização disciplinar, o minimalismo
explicativo, o efêmero e o descartável”.
O professor Segatto considera
então que os volumes de recursos passam a ser colossais, com aumento
exponencial da produção científica; são editadas em torno de cinco mil revistas
científicas no Brasil. Ele pergunta se esse aumento de investimento e
produtividade gera o devido retorno em inovação e relevância científica. Cita
então a revista Nature, que em 2014 mencionou que “o desempenho qualitativo é
inversamente proporcional aos vultosos gastos e ao abundante quantum gerado”.
O professor conclui então que a
produção científica e intelectual passou a estar ligada à autorreprodução de
nichos corporativos, e não voltada para os interesses da sociedade, porém para “coletividades
ou confrarias de interesses e afinidades particulares”. Ele então pergunta se é
esse o padrão científico que queremos para as nossas universidades.
Pode ser que não se concorde com
todos os pontos citados pelo professor, como por exemplo, o uso do inglês ou a internacionalização. Mas suas considerações servem para uma
reflexão a respeito do que se vê atualmente com uma universidade aparente,
desses padrões, e a universidade real que precisa formar indivíduos para a
sociedade. O artigo de 2014 da Nature revela a constatação de que o Período
Pós-Moderno da História, onde predominava o pragmatismo, a eficiência e os
resultados, já passou ou está passando. Vivemos em uma transição ao
Pós-pós-moderno, que ainda não sabemos exatamente como será, mas que certamente
não se pauta mais pelos paradigmas da segunda metade do século XX.