segunda-feira, 2 de abril de 2018

Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à Saúde. Aula 1 – Parte 2.



     A Medicina Narrativa foi criada, com essa designação oficialmente, pela Profa. Dra. Rita Charon da Columbia University de New York, no ano 2000, como já foi falado. A Dra. Charon foi influenciada por seu pai, que era médico na cidade de Providence, nos Estados Unidos, onde fazia uma medicina do tipo que chamaríamos aqui de “médico do bairro” ou “médico de família”, num sentido mais tradicional. Antes de optar pela Medicina, Dra. Charon estudou Biologia e Educação Infantil na Fordham University, tendo se formado em 1970. De 1971 a 1973 foi professora e ativista pela paz. Cursou Medicina na Harvard University de 1974 a 1978, sendo que completou a Residência Médica em Medicina Social no Bronx, em New York. Em 1982 começou a lecionar na Columbia University. Em 1999 concluiu doutorado em Literatura Inglesa. No ano 200 começou o Programa em Medicina Narrativa. Em 2009 iniciou o Mestrado Lato Senso em Medicina Narrativa.
     Nas palavras da Dra. Charon, Medicina Narrativa é “Medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser tocado pelas histórias (acrescentamos ‘e estórias’) do adoecer (e acrescentamos ‘e dos doentes’).
      Com essa prática, pretende-se: aumentar a capacidade de percepção clínica; levar a um cuidado mais humano, mais ético e mais efetivo.
     A Medicina Narrativa veio da confluência de:
- Humanidades e Medicina
- Cuidados Primários em Medicina
- Narratologia contemporânea
                (estudo de estruturas e elementos das narrativas)
- Estudos de relação médico-paciente.
     Além desses fatores, acrescente-se:
-       Literatura e Medicina
-       Cuidado centrado no vínculo indivíduo/comunidade/profissional da saúde

Conforme Dra. Charon:
“O nome ‘Medicina Narrativa’ veio a mim como um termo único para significar uma prática clínica configurada pela teoria e prática de ler, escrever, contar e receber “estórias”. 

Medicina Narrativa multiprofissional:
Profissionais da saúde precisam de meios para:
-       Singularizar o cuidado ao paciente, não só biologicamente.
-       Reconhecer/perceber a ética profissional e os deveres pessoais ao doente.
-       Produzir “correlações terapêuticas” com os pacientes, entre os profissionais, com o público. Isso significa compartilhar diagnósticos, decisões, diretrizes.  

Hoje em dia, a falta de singularidade, humildade, responsabilidade e empatia
...pode ser provida, em parte, pela Medicina Narrativa.

Medicina Narrativa Interdisciplinar:
O que é multiprofissional pode ser multidisciplinar ou interdisciplinar.
     Conforme já referido anteriormente, uma forma de abordar a convivência entre diferentes áreas de saúde, ou disciplinas, é considerá-las dentro de “multidisciplinaridade, interdisciplinaridade e transdisciplinaridade”. Esses conceitos não devem ser confundidos com “multiprofissional”, embora possa haver concomitância entre esses termos. A atividade multiprofissional pode ser multidisciplinar ou interdisciplinar. Ambas as formas de convivência têm seus espaços no processo de conhecimento e de aplicação prática do conhecimento. No sentido buscado pelas práticas narrativas, a atividade multiprofissional aproxima-se mais do processo interdisciplinar, na medida em que procura afinar a linguagem entre os diferentes profissionais. Mas há uma oscilação entre multidisciplinar e interdisciplinar, o que não significa um problema. Essa oscilação pode ser colaborar no processo de crescimento da atividade narrativa em interface com a prática profissional em saúde.
     A Medicina Narrativa pode também representar uma recuperação do papel da anamnese no século 21. O trabalho com as práticas narrativas não significa uma volta à medicina do século XIX, quando praticamente não havia exames subsidiários. A Medicina do século 21, com sua tecnologia, pode muito bem se servir das práticas narrativas, inclusive na própria anamnese, agora atenta a novos paradigmas e acréscimos ao processo diagnóstico.
     Protocolos médicos são boas ferramentas em mãos de quem raciocina a respeito de sua aplicação, adapta-os à singularidade do paciente e de sua cultura. Isso é possível a partir de uma boa anamnese, e do exercício narrativo. O uso do treino narrativo no atendimento em saúde não implica em necessariamente despender muito mais tempo de atendimento ou de ouvir uma extensa história/estória do paciente, mas estar atento e aberto à percepção/recepção de algum dado ou fator que esteja além do convencional e que possa ser importante no processo saúde/doença/adoecer em questão.