domingo, 12 de junho de 2011

Paradigmas e Complexidade

Paradigmas e Complexidade
Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Paradigma é um termo que significa “modelo” e que há milênios tem sido usado com esse sentido. Após a publicação de Thomas S. Kuhn (1922-1996) intitulada “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962- posfácio de 1970), a palavra “paradigma”, inicialmente restrita ao contexto científico, aos poucos passou a ser usada nos mais diversos contextos, com um significado similar ao estabelecido por Kuhn.
Thomas Kuhn era físico por formação. A partir de seu contato com o ambiente de Ciências Humanas ficou intrigado com as diferenças de métodos entre essa área e as Ciências Exatas, de modo que passou a se interessar em aprofundar estudos a respeito de História da Ciência. Com esse estudo, concluiu que os processos históricos em Ciência não ocorrem por uma mera cumulação de inventos e descobertas, mas antes por uma sucessão de paradigmas, sucessão essa que pode tomar um caráter “revolucionário” no sentido da mudança carregada por isso.
Assim Khun expressa seu conceito de paradigma científico:
“Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Observamos que os paradigmas são limitados a um determinado tempo e a uma determinada comunidade de praticantes de uma ciência. Devemos assinalar o aspecto do paradigma não fornecer apenas soluções dentro de um modelo, mas também fornecer os problemas. Assim, só é possível “enxergar” o problema, “detectar” o problema sob as condições impostas pelo paradigma. Sem essas condições, pode-se dizer que tal problema “não existe”.
Kuhn compara o paradigma a um jogo de quebra-cabeça: só são colocadas no quebra-cabeça as peças já pré-determinadas para ele. Uma peça diferente será prontamente rejeitada, antes de se tentar “encaixar” entre as outras.
Assim também o paradigma ou modelo científico. Só se pode fazer perguntas (problemas) dentro do modelo. Só se pode fornecer respostas (soluções) dentro do modelo.
Por algum tempo, o paradigma dá conta das perguntas. Kuhn chama esse período de um período de “ciência normal”. Nessa fase, apenas se repetem os métodos determinados pelo paradigma. Não há questionamentos.
Mas chega certo momento em que alguém começa a formular perguntas (problemas) que não cabem no quebra-cabeça (modelo). Chega um momento em que o paradigma já não é capaz de responder a todas as perguntas que começam a aparecer ao redor de seu domínio.
O indivíduo que lança tais questionamentos passa a ser considerado excêntrico, louco, de competência duvidosa, “um poeta”, etc.
Surgem conflitos internos ao paradigma que podem estar situados na linguagem ou nos métodos que até então consagraram o paradigma e ao mesmo tempo foram reforçados por ele. O conflito pode ser visível tanto na formulação de problemas quanto na busca/proposta de solução.
Doutrinas e paradigmas
Cada doutrina pode ter um paradigma central além de outros paradigmas associados que compõem a estrutura geral da doutrina científica.
Esses diversos paradigmas podem estar interrelacionados com os paradigmas de outras doutrinas. Por sua vez, as doutrinas configuram disciplinas científicas.
Assim, esses diversos elementos compõem uma rede complexa que abrange os variados campos de Conhecimento e Ciência.
Embora Thomas Kuhn tenha construído sua teoria principalmente sobre Ciências Exatas, podemos estender seu modelo epistemológico às Ciências Biológicas.
Nem sempre o estudioso que ficou consagrado pelo novo paradigma foi o primeiro a aventar tal hipótese.
Um exemplo disso pode ser a conceituação de Hipócrates (460-370 a.C) a respeito do cérebro ser responsável por todas as manifestações mentais e neurológicas em seu texto sobre “a doença sagrada”.
Essa conceituação já havia sido precedida pelo médico pitagórico Alcmeon tempos antes.
No entanto, todos a ligam a Hipócrates, seja por sua forte marca na história da medicina, seja por ter vivido no auge da Cultura Grega, um momento propício à consolidação de figuras como ele. Talvez possamos dizer que Hipócrates estava no Zeitgeist (espírito do tempo) desse momento.

Ignaz Semmelweis (1818-1865) foi o médico austríaco que percebeu uma associação entre a infecção puerperal e a falta de higiene de seus alunos de medicina. Mas sua tentativa de instaurar novos procedimentos na faculdade foi bastante criticada e rejeitada. O paradigma vigente não permitia essa inovação. Semmelweis desafiou as normas de então e não foi bem aceito.
Diferentemente de Semmelweis, Joseph Lister (1827-1912) consagrou-se pela prática da antissepsia.

A teoria microbiana das doenças a partir de Louis Pasteur (1822-1895) tornou-se consagrada de tal forma que se queria encontrar micróbios responsáveis por toda e qualquer doença. É um exemplo de um paradigma que se instalou com grande força nesse momento. Outros estudiosos precederam Pasteur nessas ideias, mas ele estava no Zeitgeist desse momento.
Em geral os paradigmas científicos não se instalam sozinhos. Habitualmente há condições sociais, culturais, políticas, econômicas e outras favoráveis à aceitação de um novo paradigma.

Em torno de 1982, os pesquisadores Barry J. Marshall e J. Robin Warren descobriram o Helicobacter pylori como provável causa de gastrite e úlcera gástrica. Isso ia contra vários paradigmas. Um deles dizia respeito à causa da gastrite ser atribuída principalmente a stress e a certos alimentos, temperos, etc. Outro paradigma dizia respeito à dificuldade da existência de microorganismo em ambiente ácido com o do estômago. Assim, tal proposta seria um novo paradigma que não foi bem aceito inicialmente. Um dos dois pesquisadores chegou a infectar-se com o Helicobacter para comprovar sua hipótese. Em 2005 ambos ganharam o Prêmio Nobel por sua descoberta.

A proposta do príon como uma nova forma patogênica por Stanley Prusiner em 1982 também foi desafiadora e constituiu um novo paradigma na medida em que admitia a possibilidade de proteínas patológicas se multiplicarem e “infectarem”. Em 1997 Prusiner ganhou o Prêmio Nobel, após a comunidade internacional alarmar-se com uma epidemia de casos de Doença da Vaca Louca e a comunidade científica aceitar esse novo paradigma.

E o que dizer-se de “pseudo – paradigmas”?
Na área da saúde pode-se dizer que podem equivaler a doenças ou tratamentos “da moda”.
Assim, por exemplo, há alguns anos a dislexia foi bastante comentada e passou a ser muito freqüentemente suposta. Mas a autora e fonoaudióloga Giselle Massi questiona a doença dislexia em crianças em diversos casos nos quais acha que pode ser apenas uma forma diferente de aquisição da escrita.(livro “A dislexia em questão” de Giselle Massi ).
Outro caso: grande parte de idosos com alterações cognitivas passou a ser diagnosticado como Doença de Alzheimer. No entanto, sabe-se que diversas moléstias podem ter quadro semelhante, o que inclui outras formas de demência, ou mesmo um comprometimento de uma função cognitiva.
Outro caso: Hiperatividade em criança. Qualquer criança mais inquieta passou a ter esse diagnóstico e fazer tratamento para isso. Essa “hiperdiagnose” tem sido bastante reforçada por informações provenientes da mídia em geral.

Complexidade        
Como diz Edgard Morin complexidade é diferente de complicação.
Ela se opõe ao reducionismo, é desigual e incerta (não linear), contempla a organização do ser vivo em vários níveis. Mantém abertas as possibilidades de várias causas poderem estar ligadas a vários efeitos.
Complexidade e método
Edgar Morin recusa uma teoria unitária do Conhecimento por achá-la simplificadora e que esconde as dificuldades do saber, na medida em que faz recortes para se configurar. Ele comenta que hoje se precisa de um método que, em vez de esconder, detecte as ligações, as imbricações. Assim, deve-se olhar para as ligações e não apenas para os objetos.
Deve-se extinguir as falsas transparências do que é obscuro.
Complexidade e Sistemas: o ser vivo é um sistema, mas não pode ser reduzido ao sistêmico. Assim, a teoria dos sistemas ganha vida quando contempla os vínculos.
Não há ser ou coisa isolada, seja em relação ao meio ou em relação a outros seres.
Eventualmente pode-se perguntar qual a praticidade da Complexidade na área da saúde.
Nós a usamos frequentemente quando se diz que:
- Cada paciente é um paciente.
- Cada caso é um caso.
- Cada pessoa é uma pessoa.
Alguém pode dizer que isso é óbvio.
No entanto, a Complexidade resgata o “óbvio” e mostra que ele também é necessário na rede do Conhecimento.
Paradigmas e disciplinas:
Além da sucessão no tempo dos paradigmas, há também a concomitância de paradigmas em nível multidisciplinar e nível interdisciplinar.
A complexidade transversaliza esses diversos níveis, aceita paradigmas concomitantes.
Assim, a complexidade remete-se ao nível transdisciplinar.
Paradigma – Complexidade:
As noções de paradigma acabaram sendo aplicadas a outros contextos além do especificamente científico. Tal extensão do conceito insere a própria noção de paradigma na noção de complexidade.
Assim, em relação à Complexidade podemos usar a citação:
“Todos os conceitos, nos quais se reúne semióticamente um processo inteiro,escapam à definição: definível é somente aquilo que não tem história” Nietzsche (1887).
                                       

sábado, 4 de junho de 2011

Parte 3 - Multi, Inter, Transdisciplinaridade

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Conforme já comentamos, existe certa tendência natural no ser humano em fazer algum tipo de subdivisão em suas atividades, acompanhando sua capacidade natural de atenção focada, e de ter essa atenção localizada no espaço e no tempo, distribuída de forma linear, ou não–linear. Desse modo, pode-se dizer que a multidisciplinaridade segue essa tendência. Isso não deve fazer da multidisciplinaridade a única nem a melhor forma de convivência de disciplinas. Há instâncias que são próprias da interdisciplinaridade e há “outras instâncias” em diferentes níveis de abordagem epistemológica, que correspondem à transdisciplinaridade.
Desse modo, achamos que cada nível de disciplinaridade tem seu contexto apropriado, de modo que não deve haver o objetivo de “acabar com a multidisciplinaridade” em benefício da inter ou da transdisciplinaridade. Ocorre que a multidisciplinaridade mais comumente está associada a uma maneira segmentada de conhecimento que tende a isolar cada área em seu próprio nicho com pouco contato com outras áreas. Em se tratando de áreas da saúde isso pode tornar-se mais dramático, na medida em que pode indicar uma segmentação do próprio ser humano. Nesse sentido que achamos interessante estimular o debate inter e transdisciplinar sem precisar para isso ter-se uma atitude contrária à abordagem multidisciplinar.

Voltando-se ao estabelecimento das disciplinas, observamos que  nos séculos XVIII e XIX ocorreu a gradual “consolidação” do que ficou assinalado como Ciência Moderna. Nesse processo ocorreu a subdivisão do conhecimento em áreas específicas a partir do aprimoramento de novos métodos científicos, novas técnicas e incorporação de novos vocabulários próprios de cada campo científico.
Auguste Comte (1798-1857) criador do Positivismo reforçou a subdivisão das ciências, e do conhecimento, em especialidades, e, paradoxalmente, propunha um certo tipo de unidade do conhecimento. Mas, também o não tão famoso William Whewell (1794-1866) também teve papel importante na configuração da conceituação de Ciência, de modo que criou o termo “cientista” entre 1833 e 1840, referindo-se ao profissional da Ciência.

Disciplinaridades

O discurso a respeito de multidisciplinaridade e interdisciplinaridade ganhou corpo principalmente a partir de 1968, embora haja dados de que a palavra interdisciplinaridade tenha surgido nos anos 1920. Desse modo, um novo olhar a respeito das áreas de conhecimento acompanhou o eclodir de movimentos estudantis internacionalmente que clamavam por mudanças no ensino e na abordagem do Conhecimento.
Assim, questões referentes às “disciplinaridades” aparecem praticamente a partir da segunda metade do século XX. Quando nos reportamos a estudiosos de antes desse período e os consideramos “multi” ou “inter” ou “transdisciplinares”, essas considerações partem de nós, partem deste nosso tempo e não necessariamente os estudiosos enfocados viam as áreas do Conhecimento da mesma maneira que nós agora vemos.
Como um esclarecimento do uso de certos termos, devemos lembrar que palavras com o prefixo “multi”, como multiprofissional ou multicultural, nem sempre equivalem a multidisciplinar. Pode haver concomitância de cada uma dessas palavras com quaisquer das formas de convivência entre as disciplinas, ou seja, um trabalho multiprofisional pode ser interdisciplinar.

Como já dissemos, o termo atual “disciplina” pode corresponder a uma Área do Conhecimento ou a um Setor ou seção universitária ou departamento da Universidade.
Uma disciplina, seja em qualquer desses sentidos, não se estabelece apenas por critérios científicos, mas sempre tem uma vertente política (no sentido amplo do termo) em sua fundação, conforme Joe Moran.
Portanto, a configuração da disciplina (em seus vários sentidos) acompanha seu momento histórico, com as variáveis políticas, econômicas, sociais, culturais, etc.
Por outro lado, “o mercado” pode demandar novos especialistas, ou seja, pode promover o aparecimento de novas especialidades e subespecialidades, ou ainda reativando antigas especialidades.
Podemos aplicar o raciocínio da citada influência mútua entre Conhecimento e as diversas vertentes sociais para o debate sobre as disciplinas. O olhar surgido na segunda metade do século XX voltado para a questão da disposição entre as disciplinas veio acompanhado com mudanças nos grupos voltados ao Conhecimento.
Após a Segunda Guerra Mundial ocorreu a massificação das Universidades e a passagem administrativa de cátedras para disciplinas (variando de país para país), passando a ser organizadas em departamentos (sob formatos variados). No Brasil certamente esse foi um processo ocorrido na administração universitária.
A antiga disciplina tinha o nome de Cátedra e correspondia ao “serviço do Professor Catedrático”, ou seja, tinha um forte traço pessoal do Chefe dessa área, sob o forte nome próprio de tal figura. Lembremos que a palavra cátedra provém do termo “catedra” como sendo a “cadeira” onde se sentava o bispo das catedrais. Nas catedrais havia escolas que foram precursoras das universidades. Assim o “catedrático” era aquele que comandava o ensino no local.
Com o processo de massificação das universidades, com o anseio pela democracia, dos mais diversos povos, após a Segunda Guerra Mundial, entra no ambiente universitário um espírito que busca modificar certa posições vitalícias de seu quadro de professores e experts, de modo que as áreas do Conhecimento deixam de estar vinculadas ao nome específico de um catedrático, para vincular-se à disciplina, ou especialidade propriamente dita.
Tais mudanças têm velocidade diferente nos diversos países, em virtude de condições próprias de cada nação. Enquanto nos países da Europa, os movimentos estudantis tinham forte enfoque também voltado às mudanças no ensino, em países sob regime ditatorial, como o Brasil, esses movimentos dirigiam-se mais fortemente a combater o regime opressor, havendo assim uma menor preocupação com as questões acadêmicas.
Então, o debate “multi, inter, trans” tem um determinado timing e processo com nuances diferentes nos diversos países. No Brasil, embora iniciado esse debate na área de pedagogia há um bom tempo, na área científica ainda há muita confusão sobre o sentido e aplicação desses termos.


Multidisciplinaridade

Também chamada de Pluridisciplinaridade (o prefixo “pluri” é latino, diferentemente do grego “multi”, de modo que “pluri” de adequaria mais ao latino “disciplina”).
Corresponde à coexistência de áreas do Conhecimento com algum tipo de proximidade, mas com diálogo superficial entre elas, com limitada troca de informações. Pode eventualmente haver certa harmonia entre as diferentes áreas, quando dispostas em uma organização burocrática do ambiente de ensino. Há alguns elementos comuns, mas cada disciplina fica com sua linguagem e seus próprios métodos.
Como já dissemos, sob certo ponto de vista pode-se dizer que essa disposição multidisciplinar das áreas do Conhecimento já está presente desde Aristóteles, não havendo novidade em se dizer que “agora somos multidisciplinares”. Eventualmente, quando uma área única, isolada, estiver realmente trabalhando de forma “unidisciplinar”, pode ser talvez o caso de passar a um nível “multidisciplinar” quando ao menos passar a ter algum grau de convivência com outras áreas.
O termo “unidisciplinar” é mais frequentemente usado nas situações de linhas de pensamento “totalizantes” que consideram apenas um único padrão de discurso como necessário e suficiente.

Interdisciplinaridade
Alguns consideram a interdisciplinaridade tão antiga quanto certos pensadores tidos como  “interdisciplinares” tais como: Platão, Aristóteles, Rabelais, Kant, Hegel, etc.
Para outros estudiosos a interdisciplinaridade é um fenômeno do século XX, radicado em reformas educacionais, em certas linhas de pesquisa e em movimentos com finalidade de transpor os limites disciplinares.
As raízes da Interdisciplinaridade podem estar em ideias que ressoam no discurso moderno: ideia de Ciência Unificada, ideia de um Conhecimento Geral; noção de síntese; integração do Conhecimento. Tentativas voltadas para esses objetivos, no século XX, por vezes ficaram  longe do propósito interdisciplinar e aproximaram-se de alguma forma de reducionismo.
Podemos fazer um rápido retrospecto histórico a respeito de tais processos.
Platão teria sido o primeiro a propor a Filosofia como centro de um Conhecimento Unificado e considerou o filósofo como o único capaz de sintetizar o Conhecimento.
Para ele, Dialética e Matemática seriam áreas proeminentes em relação às outras, além da Geometria.
Aristóteles caminhou em direção a uma subdivisão mais clara entre as áreas.
Para ele a Filosofia, e mais especificamente a Lógica, tinha proeminência sobre outras áreas, com um papel central e promovendo certa unidade entre elas.
Em Roma, embora houvesse uma ênfase maior na disciplina Retórica, o autor Quintiliano, por exemplo, propunha uma ampliação do espectro e da ênfase dos estudos.
O romano Cassiodoro, no início da Idade Média, fez uma escola, o Vivarium, e quase conseguiu criar uma primeira universidade no século VI.
As escolas medievais herdaram o Trivium e o Quadrivium de Roma: Gramática, Retórica e Dialética no Trivium; Música, Geometria, Aritmética e Astronomia no Quadrivium. Esses estudos eram chamados de Artes Liberais. Esse padrão de subdivisão segue parcialmente a linha aristotélica. Seu nome de “Artes” provém da tradução latina do grego “techné”, palavra abrangente usada tanto para “arte” no sentido de produção estética, quanto no sentido de habilidade.
As primeiras Universidades surgiram na Idade Média, em geral, das escolas das catedrais. Desde deu início guardaram certas características de autonomia em relação ao poder vigente, de modo que, embora sofrendo controles, sempre ter sido foco de origem de inovações e de movimentos questionadores do padrão corrente de Conhecimento. Assim, a Universidade era universitas scientiarum, ou seja,comunidade de disciplinas do Conhecimento”, e ainda, universitas magistrorum et scholarium, ou seja, comunidade de professores e estudantes.
Na Baixa Idade Média, “disciplina” como área do Conhecimento passou a ser aplicada de forma mais proeminente a 3 áreas: a Teologia e Artes em Paris; a Direito em Bologna; a Medicina em Salerno. Vários séculos mais tarde Kant, no “Conflito das Faculdades”, vai queixar-se do favoritismo do poder vigente dirigido a essas três áreas, em detrimento do campo então chamado da Filosofia (que englobava também o que hoje chamamos de Ciências Humanas).
Diversos estudiosos desde o período do Renascimento, indo até o Iluminismo e após este, expressaram alguma preocupação com a questão do Conhecimento fragmentado ou uinficado, tais como:   Bacon, Descartes, os enciclopedistas franceses, Kant, Hegel, Comte e outros. No entanto, tais considerações não eram exatamente equivalentes ao atual enfoque interdisciplinar.
No século XIX gradualmente consolida-se a moderna disciplinaridade, acompanhando a Revolução Industrial e a urbanização da sociedade. Assim, ocorrem avanços tecnológicos e o Conhecimento torna-se mais centrado na Ciência decorrente do aprimoramento e subdivisão das chamadas Ciências Naturais. Entre 1833 e 1840 William Whelwell criou o termo “cientista” para o praticante da Ciência, de modo que, de certa forma, coloca esse indivíduo como um profissional dessa área em primeiro plano, em relação às suas outras habilidades. Concomitantemente a tudo isso, consolidam-se também as nações modernas, de modo que o traço do nacionalismo também vai impregnar o ambiente do Conhecimento.
No início do século XIX, com a fundação da Universidade de Berlim por Wilhelm von Humbolt, estabeleceu-se um certo padrão de ensino universitário que foi seguido por diversas universidades no mundo. Tal padrão seguia uma noção de Educação Universal. Com o transcorrer dos século XIX e XX, tal padrão vai se confrontar com a gradual multiplicação de disciplinas e especialidades, culminando com variados conflitos sobre o modelo a ser seguido no ensino em geral, no fim do século XX e início do século XXI.

Conforme J. Moran, o termo “interdisciplinaridade” surgiu em meados da década de 1920, principalmente em torno de questões sobre educação universitária na Inglaterra no ambiente após a Primeira Guerra Mundial.
A Primeira Guerra Mundial foi um importante divisor de águas na História, de modo que, no entender do historiador inglês Eric Hobsbawm é a partir daí que se inicia o século XX. Esse evento condicionou a modificação de diversas variantes sociais e culturais, bem como no Conhecimento e na Ciência. Não necessariamente como consequência direta da guerra em si, mas muito mais pelas modificações sociais e culturais decorrentes dela.
Assim, conforme Moran, após a Guerra Estudos da Língua Inglesa passaram a ter maior valorização na Universidade e passaram a ter uma função de elo interdisciplinar entre os diversos campos do Conhecimento. Moran cita o estudioso Leavis, como um dos principais estimuladores desse movimento. Esse processo estava ligado a uma nova disposição entre as nações no pós-guerra, voltando-se para suas próprias origens e características culturais.
É interessante observarmos que essa questão surgiu ligada a uma área de Estudos da Linguagem. Como sempre acentuamos, a questão “multi, inter, trans” está sempre precedida por fatores relativos à Linguagem.
Nas décadas de 1920 e 1930 houve uma busca pela Ciência Unificada, que para alguns é citada como interdisciplinar, mas que também pode ser vista como tendo um objetivo “unidisciplinar”.
Em 1924 estabeleceu-se o “Círculo de Viena”, que propunha uma terminologia e regras comuns para a Ciência.
Nos anos 1930 ocorreu a elaboração da International Encyclopedia of Unified Science por Otto Neurath, Rodolf Carnap e Charles Morris. Havia uma proposta de “Integração” entre as diferentes áreas científicas.
Depois da Segunda Guerra Mundial ocorreu a já referida multiplicação das universidades e sua massificação. Em certas universidades do Reino Unido os “Estudos Culturais” passaram a substituir a função do Estudo da Língua Inglesa como uma área interdisciplinar no sentido de intermediar as diversas áreas do Conhecimento, conforme Moran.

Interdisciplinaridade, no sentido amplo, significa uma integração entre disciplinas.
Assim, há várias interdisciplinaridades, já que pode haver várias formas de integração.
Por outro lado, ainda conforme Moran, não há interdisciplinaridade sem disciplinas. Portanto, a eventual proposta de eliminação das disciplinas pode conduzir a alguma outra coisa que ainda não é a interdisciplinaridade.
Conforme Pombo, não há apenas um único conceito de interdisciplinaridade. Ela pode ter as seguintes adjetivações: auxiliar, complementar, compósita, de engrenagem, estrutural, heterogênea, linear, restritiva, unificadora, etc., etc.
Conforme Klein,  podem ser várias as formas de trabalho interdisciplinar:
- intrapessoal – uma mesma pessoa utilizando várias linguagens e métodos.
- Interpessoal – entre duas ou mais pessoas.
- Interdepartamental – entre departamentos, disciplinas, etc.
- Conexões comunitárias – aplicação de conceitos e práticas disciplinares à comunidade.

Conforme Moran eventualmente confunde-se interdisciplinaridade com “unidisciplinaridade”. Ele refere-se ao que chama de “Teorias de tudo”. Tais teorias podem levar a um discurso hegemônico sobre o Conhecimento e, portanto, a um reducionismo no discurso científico. Assim, têm-se, por exemplo, alguns neodarwinistas bestsellers tais como Richard Dawkins para quem “tudo é gene”, até mesmo a cultura.
Ainda de acordo com Moran o campo da Neurociência é visto como uma área interdisciplinar da ciência que pode interligar “estudos culturais e biologia”.
       
Transdisciplinaridade

A palavra “transdisciplinaridade” foi lançada por Jean Piaget em 1970, dando a entender que havia necessidade de se dar “um passo além” da interdisciplinaridade.
Na transdisciplinaridade ele sugere que não haja barreiras entre as disciplinas.
Concomitantemente à proposta de Piaget, ganham espaço outras idéias que vão em direção similar como o Pensamento Complexo e os Estudos Transculturais (crosscultural studies).  
Em 1994 ocorre o “Manifesto da Transdisciplinaridade” com Edgar Morin, Basarab Nicolescu e Lima de Freitas, consolidando determinada linguagem e elementos em torno dessa conceituação.
A transdisciplinaridade tem três pilares:
1 –Níveis de Realidade.
Diz respeito a não reduzir-se o real a apenas um único nível de realidade seja ela correspondente à Física, ou à Química, ou à Biologia, ou a algum sub-nível biológico e assim por diante.
2 – Complexidade.
A Complexidade também vai no sentido contrário ao reducionismo. Como diz Edgar Morin, complexidade é diferente de complicação. Sob a visão complexa mantêm-se abertas as diversas possibilidades de entendimento, de formulação de problemas e busca de respostas. Busca-se jogar luz sobre as zonas obscuras ou excluídas do Conhecimento.
3 – Terceiro incluído.
O “terceiro incluído” vai além dos pares de opostos. Admite paradoxos. Vai além da Lógica convencional, admitindo níveis de Conhecimento que podem englobar noções que são conflituosas em outros níveis.
A Transdisciplinaridade também inclui aspectos culturais. Este pode ser talvez considerado como um quarto pilar.