A História da
Medicina a partir de Hipócrates tem 2.500 anos. Se considerarmos o tempo
anterior com os precursores de Hipócrates, ou mesmo com os egípcios e outros
povos, pode-se ir mais longe.
No transcorrer da
História da Humanidade, a Medicina em grande parte acompanhou o contexto
histórico em que acontecia, e em menor parte, tinha suas próprias
peculiaridades.
A maneira como nós
olhamos para a História não aconteceu de forma espontânea, ou involuntária, mas
foi construída a partir da reflexão de determinadas pessoas a respeito do
passado e suas correlações com diversos fatores.
Assim, a “periodização
histórica” foi elaborada inicialmente por Petrarca (1304-1374) e Leonardo Bruni
(1370-1444), nos séculos XIV e XV, ainda no Período depois conhecido como Idade
Média. Eles consideraram a Idade Antiga como um Período Clássico Greco-Latino,
depois teria vindo um Período que eles consideraram como de certa obscuridade
do conhecimento. Petrarca, como o
iniciador do que viria a ser considerado (no século XIX) como “Renascimento”
(embora alguns já usassem termo similar no século XV), já estava moldando o que
se tornaria conhecida como “Idade das Trevas”, principalmente por conta dos
Iluministas e Pós-Iluministas.
Na verdade,
qualquer Era, ou Idade, é das Trevas e da Luz.
Essa maneira de
divisão da História acabou sendo mais reformulada por Cristoph Cellarius (1634-1707)
em 1702, ou seja, no início do século XVIII.
Evidentemente, com
o passar do tempo, outros detalhamentos foram acrescentados a essa
periodicidade. Ela pode ser considerada como uma espécie de base para
raciocinar, mas há muitas críticas a respeito de uma visão engessada da
História, como se ela fosse facilmente linear e determinada por determinados
fatos. Atualmente, novos estudos, pesquisas, descobertas, trazem novas noções a
respeito da História.
Como dizia Marc
Bloch (1886-1944) a História é: “O presente explicando o passado e o passado
explicando e presente”. Assim, é um estudo vivo, contínuo, dinâmico e não
apenas uma descrição acabada do passado.
Voltando à
periodização histórica. A Era iniciada em 1453, com a Tomada de Constantinopla
pelos Turcos Otomanos, passou a ser chamada de Era Moderna. Além desse fato,
também caracterizam o início dessa Idade Moderna: as Navegações, a Reforma
religiosa, a invenção da Imprensa, a disseminação da invenção/descoberta da
pólvora, o Renascimento Conhecimento Clássico Greco-Latino, Mercantilismo, entre
outros fatores.
Têm-se aí o uso da
palavra “Moderna”. Essa palavra “moderna”, ou “moderno”, inicialmente foi
utilizada com o sentido que usamos hoje pelo sábio romano Cassiodoro, no século
VI, quando, ao voltar de exílio no exterior de Roma, constatou que nessa cidade
ninguém mais entendia a língua grega. Então exclamou: “Vivemos em tempos
modernos”. “Moderno”, vem de “modo” em
latim e se refere a tempos verbais. A palavra “moderno” passou a ser utilizada
com o sentido de algo que está acontecendo agora, algo novo, etc. Na Idade
Média ainda foi usado dessa forma por alguns comentadores do tempo de Carlos
Magno e posteriormente.
Portanto, quando
se chama uma Era de Idade “Moderna”, está-se querendo caracterizar como uma
idade de inovações, invenções, descobertas, conhecimento, etc., para se opor à
Idade Média. Mas, por outro lado, na Idade chamada de “Moderna”, também
aumentou e foi praticamente oficializada a Escravidão no Ocidente; aumentou a
Inquisição religiosa, a Ciência Moderna nascente deu vazão à conceituação de
raças e seu consequente preconceito; surgiram as colônias dos Estados europeus.
Assim, a chamada Idade Moderna também teve suas trevas...
Continuemos com o
uso do termo “moderno”.
A partir da
Revolução Francesa, em 1789, tem-se o início da Idade que foi chamada de Idade
Contemporânea, com suas subdivisões.
O termo “Contemporâneo”
dá ideia de que é aquilo que “vivemos agora”. Na medida em que o tempo passe, é
possível que se considere que a Revolução Francesa e suas consequências, bem
como suas correlações, deixem de ser consideradas “contemporâneas”. Mas, ainda
há muitos elementos presentes ainda que podem favorecer a manutenção desse
conceito de forma expandida, ampla.
Ao mesmo tempo em
que acontecia a Revolução Francesa, outros processos históricos também
ocorriam. A Revolução Americana (um pouco antes, em 1776). A Revolução
Industrial, mudando o processo de produção de artesanal para a possibilidade de
um primeiro modelo de “produção em série”; isso levou ao deslocamento de
pessoas da área rural para a área urbana.
De 1800 a 1950,
temos um período que passou a ser chamado de Período Moderno, para diferenciar
da Idade Moderna.
Esse Período
Moderno teve como características iniciais: a formação do Estado-Nação, depois
das Invasões Napoleônicas (cada Estado com uma língua, uma bandeira, um hino);
a acentuação da Revolução Industrial; a transformação da Ciência em “profissão”;
o desenvolvimento tecnológico; novas descobertas na Medicina; a criação da
Universidade Moderna, a partir de 1810, com a fundação da Universidade de
Berlim, por Wilhelm von Humbolt, quando, finalmente, os laboratórios que só
existiam nas Academias, foram incorporados às Universidades, que transmitiam um
Conhecimento tradicional, algo distante das descobertas das Academias. Esse
modelo de Universidade se espalhou pelo mundo e caracteriza a Universidade
Moderna. Ainda nesse período surgiu o Romantismo, como uma reação a certo
sufoco e perda de tradições locais pelo tipo de nacionalismo do Estado-Nação
(embora o próprio Romantismo tenha algo de nacionalista, no sentido de resgatar
origens) e como reação ao recente poder da Ciência (como se pode ver em
Frankenstein de Mary Shalley e outros similares). Assim, no Período Moderno
também vieram Realismo, Impressionismo, Modernismo, Expressionismo,
Surrealismo, etc., com seus equivalentes nas diversas Artes, seja Literatura,
Música, Pintura, etc.
Esse Período
Moderno era uma época de viver por ideais, valorizar os meios para se chegar a
determinados fins, embora ambos esses fatores entremeados com diversos outros
em um quadro complexo.
Como dizia o
historiador britânico Hobsbawm, o século XX começou em 1914, com o início da
Primeira Guerra Mundial e terminou em 1989 com a Queda do Muro de Berlim.
Embora muito interessante, não vamos pormenorizar agora esse conceito.
Indo então para o
fim da Segunda Guerra Mundial, a partir de 1950 inicia-se o Período Pós-Moderno
(conforme estudo de Lyotard de 1977). Esse período caracteriza-se como uma era
de Pragmatismo, Eficiência e Resultados. Ideais tornam-se secundários, os meios
para atingir certos fins passam a ser secundários, levando a uma crise ética,
embora os traumas da Guerra, e visam-se resultados palpáveis, concretos. A
Subjetividade passa a ser cada vez mais substituída pela Objetividade. Há um
movimento de contracorrente a isso presente na Contracultura, que tem suas
consequências. Todo esse processo “pós-moderno” perdura até o início do século
XXI, quando Pragmatismo, Eficiência e Resultados começam a decair.
A Universidade
Pós-Moderna é a que visa mais a Eficiência e os Resultados do que propriamente
a formação da pessoa como ser humano, diferentemente da Universidade Moderna.
Nesse Período
Pós-Moderno, ocorreu a divulgação de uma certa “Globalização” como a salvação
geral, e a gradual “desumanização” não só da Medicina, mas da sociedade, pois a
Medicina só se desumaniza em uma sociedade que também se desumaniza.
A Medicina, em sua
História, teve altos e baixos diversos, no que concerne à “humanização”.
Lembremos que este vocábulo aplicado à Medicina surgiu aproximadamente nas
últimas três décadas do século XX.
Surge então um
período histórico de transição, ou, como diz Erwin Lazlo, de Macro Shift ou Macro-Transição. No
início do século XXI, após o Atentado às Torres Gêmeas de 2001 e após a crise
econômica mundial iniciada em 2008, os parâmetros Pragmatismo, Eficiência,
Resultados, passaram a perder terreno e têm sido substituídos por outros
parâmetros. Esse período de transição também pode ser chamado, por enquanto, de
Pós-Pós-Moderno, já que o Pós-Moderno entra em decadência.
A Medicina
Pós-Moderna era aquela que se orientava, e ainda se orienta, por Pragmatismo,
Eficiência, Resultados e Objetividade, ou Objetivismo, com desvalorização da
Subjetividade ou Subjetivismo. Essa era uma Fast
Medicine, ou seja, o mais rápida possível, independente de ser ou não uma
situação emergencial. Esse Fast dizia
respeito a Pragmatismo, Eficiência, Resultados, Objetividade.
Agora, no Período
Pós-Pós-Moderno, iniciado no século XXI, vemos que Pragmatismo, Eficiência,
Resultados, Objetividade respondem cada vez menos às expectativas das pessoas e
dos profissionais, exceto nos casos urgentes e emergentes. Procura-se recuperar
o espaço da Subjetividade; procura-se uma Eficiência que seja apenas um meio
para atingir um fim e não um fim em si; procuram-se os resultados que tenham um
interesse comum e não apenas como um desperdício ou uma conquista sem
finalidade.
O Movimento Slow Medicine, ou “Medicina sem Pressa”
surge nesse contexto pós-pós-moderno, que busca novos caminhos para a Medicina,
inclusive recuperando uma parte dos velhos caminhos que se perderam pelo caminho...