quarta-feira, 9 de outubro de 2013

7ª aula do Curso Abordagens do Conhecimento: "Estudos de Caso – Interdisciplinaridade e Transdisciplinaridade"


O que se chama de “estudo de caso” pode ter vários sentidos.
Mais comumente, na área da saúde, ao se falar em “estudo de caso” costuma-se dizer respeito a uma apresentação e discussão de um caso clínico, ou ainda eventualmente determinada pesquisa científica sobre um caso clínico.
No entanto, fora do campo da saúde e menos frequentemente também nesse campo são usados outros estudos de caso. Assim, podemos ter:

1 – Estudo de caso clínico: apresentação, discussão, pesquisa.
2 - Pesquisa por estudo de caso por método qualitativo do tipo “grounded theory”.
Este é um método onde a formulação de uma hipótese ocorre apenas após a coleta de dados e subsequente determinação de categorias que aparecem no transcorrer dessa coleta.
3 - Case Study (conforme John F. Kennedy School) – busca de resolução de problemas através do exercício de tomadas de decisão nos campos político, social e econômico.
4 - Pesquisas e levantamentos variados sobre “um caso”.
5 - Cases exemplos para discussão em aula.
6 - Etc., etc., (‘causos’) – abre-se o termo “estudo de caso” para discursos, narrativas ou contextos os mais variados.

Procuramos construir um formato de ‘estudo de caso’ que caracterizamos como ‘intertransdisciplinar’, de modo que permita um exercício que vá além das barreiras multidisciplinares do conhecimento.
A Escola J. F. Kennedy de Harvard trabalha com alguns critérios para estudo de caso:
-          Situação real.
-          Decisão específica que precisa ser feita por um gerente/administrador.
-          Avaliar pressões e considerações, informações incompletas e contraditórias. Ou seja, não desprezar esses fatores, mas, pelo contrário, torná-los parte do estudo.
-          Quem é o tomador de decisão.
-          Quais seus objetivos.
-          Quais os atores e seus objetivos.
-          Quais os fatores-chave.
-          Quais fatores favoráveis e desfavoráveis
-          Quais as linhas de ação
-          Prováveis consequências de cada ação
-          Desenvolver argumentos
-          Não temer errar ou ser desafiado

A partir daí formulamos os seguintes itens no estudo de caso "intertransdisciplinar":

1 - Objetivo ou objetivos
                - Qual o tema aparente.
                - Se há temas não aparentes.
                - níveis de realidade e dilemas.
2                   - Quais os atores e intenções.
3                   - Quais ferramentas e obstáculos; 
                  dificuldades/facilidades.
4                   - Quais vínculos:
     - entre atores, fatores, objetivos.
5                    5  - Quais disciplinas/instituições; qual o cenário.
6                     – argumentações; releituras.
      7 -  Linhas de ação/caminhos.
      8 -   Importa mais o exercício do que a decisão final. 
              Não há resposta certa.

Mesmo que o professor conheça uma solução ou uma resposta mais adequada para o caso, não interessa essa “resposta certa”, mas importa mais a discussão em si e os caminhos apontados pelo grupo interdisciplinar que faça a discussão. Se a discussão será mais especificamente interdisciplinar ou se terá também derivações transdisciplinares vai depender do próprio grupo. Como diz o Dr. Patrick Paul, a transdisciplinaridade implica em “subjetividade” e “cultura”, além de dar espaço à complexidade, níveis de realidade e paradoxos.  



domingo, 6 de outubro de 2013

5ª aula do Curso Abordagens do Conhecimento:"Paradigmas e Complexidade".

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves
 Paradigma é um termo que significa “modelo” e que há milênios tem sido usado com esse sentido. Após a publicação de Thomas S. Kuhn (1922-1996) intitulada “A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962- posfácio de 1970), a palavra “paradigma”, inicialmente restrita ao contexto científico, aos poucos passou a ser usada nos mais diversos contextos, com um significado similar ao estabelecido por Kuhn.
Thomas Kuhn era físico por formação. A partir de seu contato com o ambiente de Ciências Humanas ficou intrigado com as diferenças de métodos entre essa área e as Ciências Exatas, de modo que passou a se interessar em aprofundar estudos a respeito de História da Ciência. Com esse estudo, concluiu que os processos históricos em Ciência não ocorrem por uma mera cumulação de inventos e descobertas, mas antes por uma sucessão de paradigmas, sucessão essa que pode tomar um caráter “revolucionário” no sentido da mudança carregada por isso.
Assim Kuhn expressa seu conceito de paradigma científico:
“Considero paradigmas as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
Observamos que os paradigmas são limitados a um determinado tempo e a uma determinada comunidade de praticantes de uma ciência. Devemos assinalar o aspecto do paradigma não fornecer apenas soluções dentro de um modelo, mas também fornecer os problemas. Assim, só é possível “enxergar” o problema, “detectar” o problema sob as condições impostas pelo paradigma. Sem essas condições, pode-se dizer que tal problema “não existe”.
Kuhn compara o paradigma a um jogo de quebra-cabeça: só são colocadas no quebra-cabeça as peças já pré-determinadas para ele. Uma peça diferente será prontamente rejeitada, antes de se tentar “encaixar” entre as outras.
Assim também o paradigma ou modelo científico. Só se pode fazer perguntas (problemas) dentro do modelo. Só se pode fornecer respostas (soluções) dentro do modelo.
Por algum tempo, o paradigma dá conta das perguntas. Kuhn chama esse período de um período de “ciência normal”. Nessa fase, apenas se repetem os métodos determinados pelo paradigma. Não há questionamentos.
Mas chega certo momento em que alguém começa a formular perguntas (problemas) que não cabem no quebra-cabeça (modelo). Chega um momento em que o paradigma já não é capaz de responder a todas as perguntas que começam a aparecer ao redor de seu domínio.
O indivíduo que lança tais questionamentos passa a ser considerado excêntrico, louco, de competência duvidosa, “um poeta”, etc.
Surgem conflitos internos ao paradigma que podem estar situados na linguagem ou nos métodos que até então consagraram o paradigma e ao mesmo tempo foram reforçados por ele. O conflito pode ser visível tanto na formulação de problemas quanto na busca/proposta de solução.
Doutrinas e paradigmas
Cada doutrina pode ter um paradigma central além de outros paradigmas associados que compõem a estrutura geral da doutrina científica.
Esses diversos paradigmas podem estar interrelacionados com os paradigmas de outras doutrinas. Por sua vez, as doutrinas configuram disciplinas científicas.
Assim, esses diversos elementos compõem uma rede complexa que abrange os variados campos de Conhecimento e Ciência.
Embora Thomas Kuhn tenha construído sua teoria principalmente sobre Ciências Exatas, podemos estender seu modelo epistemológico às Ciências Biológicas.
Nem sempre o estudioso que ficou consagrado pelo novo paradigma foi o primeiro a aventar tal hipótese.
Um exemplo disso pode ser a conceituação de Hipócrates (460-370 a.C) a respeito do cérebro ser responsável por todas as manifestações mentais e neurológicas em seu texto sobre “a doença sagrada”.
Essa conceituação já havia sido precedida pelo médico pitagórico Alcmeon tempos antes.
No entanto, todos a ligam a Hipócrates, seja por sua forte marca na história da medicina, seja por ter vivido no auge da Cultura Grega, um momento propício à consolidação de figuras como ele. Talvez possamos dizer que Hipócrates estava no Zeitgeist (espírito do tempo) desse momento.

Ignaz Semmelweis (1818-1865) foi o médico austríaco que percebeu uma associação entre a infecção puerperal e a falta de higiene de seus alunos de medicina. Mas sua tentativa de instaurar novos procedimentos na faculdade foi bastante criticada e rejeitada. O paradigma vigente não permitia essa inovação. Semmelweis desafiou as normas de então e não foi bem aceito.
Diferentemente de Semmelweis, Joseph Lister (1827-1912) consagrou-se pela prática da antissepsia.

A teoria microbiana das doenças a partir de Louis Pasteur (1822-1895) tornou-se consagrada de tal forma que se queria encontrar micróbios responsáveis por toda e qualquer doença. É um exemplo de um paradigma que se instalou com grande força nesse momento. Outros estudiosos precederam Pasteur nessas ideias, mas ele estava no Zeitgeist desse momento.
Em geral os paradigmas científicos não se instalam sozinhos. Habitualmente há condições sociais, culturais, políticas, econômicas e outras favoráveis à aceitação de um novo paradigma.

Em torno de 1982, os pesquisadores Barry J. Marshall e J. Robin Warren descobriram o Helicobacter pylori como provável causa de gastrite e úlcera gástrica. Isso ia contra vários paradigmas. Um deles dizia respeito à causa da gastrite ser atribuída principalmente a stress e a certos alimentos, temperos, etc. Outro paradigma dizia respeito à dificuldade da existência de microorganismo em ambiente ácido com o do estômago. Assim, tal proposta seria um novo paradigma que não foi bem aceito inicialmente. Um dos dois pesquisadores chegou a infectar-se com o Helicobacter para comprovar sua hipótese. Em 2005 ambos ganharam o Prêmio Nobel por sua descoberta.

A proposta do príon como uma nova forma patogênica por Stanley Prusiner em 1982 também foi desafiadora e constituiu um novo paradigma na medida em que admitia a possibilidade de proteínas patológicas se multiplicarem e “infectarem”. Em 1997 Prusiner ganhou o Prêmio Nobel, após a comunidade internacional alarmar-se com uma epidemia de casos de Doença da Vaca Louca e a comunidade científica aceitar esse novo paradigma.

E o que dizer-se de “pseudo – paradigmas”?
Na área da saúde pode-se dizer que podem equivaler a doenças ou tratamentos “da moda”.
Assim, por exemplo, há alguns anos a dislexia foi bastante comentada e passou a ser muito freqüentemente suposta. Mas a autora e fonoaudióloga Giselle Massi questiona a doença dislexia em crianças em diversos casos nos quais acha que pode ser apenas uma forma diferente de aquisição da escrita.(livro “A dislexia em questão” de Giselle Massi ).
Outro caso: grande parte de idosos com alterações cognitivas passou a ser diagnosticado como Doença de Alzheimer. No entanto, sabe-se que diversas moléstias podem ter quadro semelhante, o que inclui outras formas de demência, ou mesmo um comprometimento de uma função cognitiva.
Outro caso: Hiperatividade em criança. Qualquer criança mais inquieta passou a ter esse diagnóstico e fazer tratamento para isso. Essa “hiperdiagnose” tem sido bastante reforçada por informações provenientes da mídia em geral.

Complexidade        
Como diz Edgard Morin complexidade é diferente de complicação.
Ela se opõe ao reducionismo, é desigual e incerta (não linear), contempla a organização do ser vivo em vários níveis. Mantém abertas as possibilidades de várias causas poderem estar ligadas a vários efeitos.
Complexidade e método
Edgar Morin recusa uma teoria unitária do Conhecimento por achá-la simplificadora e que esconde as dificuldades do saber, na medida em que faz recortes para se configurar. Ele comenta que hoje se precisa de um método que, em vez de esconder, detecte as ligações, as imbricações. Assim, deve-se olhar para as ligações e não apenas para os objetos.
Deve-se extinguir as falsas transparências do que é obscuro.
Complexidade e Sistemas: o ser vivo é um sistema, mas não pode ser reduzido ao sistêmico. Assim, a teoria dos sistemas ganha vida quando contempla os vínculos.
Não há ser ou coisa isolada, seja em relação ao meio ou em relação a outros seres.
Eventualmente pode-se perguntar qual a praticidade da Complexidade na área da saúde.
Nós a usamos frequentemente quando se diz que:
- Cada paciente é um paciente.
- Cada caso é um caso.
- Cada pessoa é uma pessoa.
Alguém pode dizer que isso é óbvio.
No entanto, a Complexidade resgata o “óbvio” e mostra que ele também é necessário na rede do Conhecimento.
Paradigmas e disciplinas:
Além da sucessão no tempo dos paradigmas, há também a concomitância de paradigmas em nível multidisciplinar e nível interdisciplinar.
A complexidade transversaliza esses diversos níveis, aceita paradigmas concomitantes.
Assim, a complexidade remete-se ao nível transdisciplinar.
Paradigma – Complexidade:
As noções de paradigma acabaram sendo aplicadas a outros contextos além do especificamente científico. Tal extensão do conceito insere a própria noção de paradigma na noção de complexidade.
Assim, em relação à Complexidade podemos usar a citação:
“Todos os conceitos, nos quais se reúne semióticamente um processo inteiro,escapam à definição: definível é somente aquilo que não tem história” Nietzsche (1887).
                                       


domingo, 22 de setembro de 2013

Aula 3 do Curso "Abordagens do Conhecimento": Multi, Inter, Transdisciplinaridade - parte 1.

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Na pré-história, no Período Paleolítico, já havia uma “divisão de trabalho”, para usar uma conceituação de Durkheim. Essa divisão era de padrão “caçador-coletor”, de modo que, o homem desempenhava a função de caçador e a mulher de coletora de frutos e ervas. Esse talvez seja o formato mais antigo de uma espécie de “especialidade” laboral entre os seres humanos.
Há que se lembrar também que essa, assim dita, “divisão de trabalho”, acompanhava uma tendência natural do ser humano de “focar”, “concentrar-se” em certas tarefas diárias. Deve ser frisado que o ato de “focar a atenção” se faz presente também em outras espécies animais, em suas atividades de ataque, defesa, etc. Assim, como uma capacidade herdada pela evolução, os seres humanos têm a necessidade de que a função básica de “atenção” esteja em boas condições para que as “funções cognitivas” possam estar ativas e em condições de promoverem o aprendizado e, desse modo, também serem aprimoradas.
Expusemos esse preâmbulo para dar a entender que é, de certa forma, uma tendência natural ao ser humano a busca de “recortar uma parte do todo”, de focar sua atenção em uma determinada subdivisão das coisas com as quais trabalha, para que possa efetivar uma conclusão de suas reflexões, ou respostas a suas perguntas, ou solução a seus problemas, ou ainda um resultado prático de suas atividades produtivas.
Essas argumentações dizem respeito a entender-se que a “multidisciplinaridade” acompanha uma tendência natural do ser humano de dividir suas tarefas com o objetivo de otimizá-las.
O discurso sobre “multi, inter e transdisciplinaridade” é próprio da segunda metade do século XX. Quando olhamos para um período anterior a este e usamos tais termos, nós estamos fazendo uma determinada leitura do passado com a nossa própria linguagem.
Ao nos referirmos a “disciplina” aqui, estamos falando de uma área específica do Conhecimento e não necessariamente de uma “Disciplina” com “D” maiúsculo escrita sobre a porta de certas divisões ou departamentos universitários. Eventualmente pode corresponder às duas coisas concomitantemente.
Multidisciplinaridade: é o termo usado para se referir a várias disciplinas que coexistem próximas, trabalham lado a lado, mas ficam cada uma com sua linguagem e seus métodos. A troca de informações entre as áreas é limitada. De certa forma, esse modelo está vigente desde Aristóteles, com algumas variações.
Interdisciplinaridade: neste caso pode existir uma linguagem comum entre as disciplinas, ou ainda o entendimento mútuo das linguagens, e existe ainda alguma permuta de métodos, ou a adoção dos mesmos métodos.
Transdisciplinaridade: trabalha mais com o que podemos chamar de “metalinguagem” e “metamétodos”. Inclui fatores culturais em sua abordagem das disciplinas.
Alguns autores que estudaram e estudam essas questões são:
Jean Piaget – esteve entre os que primeiro procuraram sistematizar estudos a esse respeito nos anos 1960-1970. Em 1970 lançou o termo “transdisciplinaridade”.
Julie Thompson Klein – publicou diversos livros sobre disciplinaridades, principalmente sobre o termo “interdisciplinaridade”.
Joe Moran – fez um estudo sobre interdisciplinaridade onde aponta a origem desse termo nos anos 1920.
Edgar Morin – considerado como um dos principais autores sobre Transdisciplinaridade e sobre Pensamento Complexo.
Basarab Nicolaescu – juntamente com Morin assinou o Manifesto da Transdisciplinaridade em 1994.
Vamos nos deter um pouco sobre a palavra “disciplina”.
Disciplina vem do latim discipulus que é um termo equivalente a “aprendiz”.
Outras palavras semelhantes são:
- discereaprender
- doscereensinar
- ducare - conduzir
- (ex-ducare) – (conduzir para fora) educar
ducere – conduzir pelo exemplo
Vemos assim que a palavra disciplina está mais ligada ao indivíduo que aprende do que ao indivíduo que ensina. Também talvez a função do mestre não seja só educar (ex-ducere), mas também “eduzir” (ex-ducere – conduzir pelo exemplo).
Disciplina também é uma palavra que se refere ao estabelecimento de limites, indicando o que se deve e o que não se deve aprender (talvez mais do que o que se deve ou não ensinar).
Por muitos séculos, o sentido de área do conhecimento foi preenchido pela palavra Cathedra, ou seja “Cadeira”, referindo-se mais à figura de comando das escolas das catedrais, que, por sua vez, também tinham esse nome em relação à mesma cadeira da autoridade eclesiástica que comandava essas igrejas; daí veio o termo “professor catedrático. Nesse sentido, a cátedra diz respeito à atividade de doscere (ensinar) ou de ducare (conduzir), ou das duas coisas...
Várias disciplinas foram criadas a partir de doutrinas de pensamento. O termo “doutrina” tem correlação com a palavra “doutor” e provém das universidades do período medieval, quando haviam defesas de “teses”, a partir de hipóteses formuladas. Aqueles que tinham suas teses aprovadas tornavam-se doutores e daí, eventualmente elaboravam doutrinas de conhecimento.
A proximidade de certas doutrinas deu origem a disciplinas também próximas que se organizaram, em geral em torno de temas comuns entre elas. Essa proximidade pode ser dentro de uma estrutura multidisciplinar ou interdisciplinar.
As doutrinas das disciplinas têm suas teorias e práticas.
A palavra grega theoria significava inicialmente, no tempo de Platão, “observação passiva dos ritos mistéricos”, como, por exemplo, dos Mistérios de Elêusis, uma variante das crenças dos antigos gregos, de celebração reservada, aberta a poucas pessoas. Com o passar do tempo, “teoria” assumiu o sentido de Conhecimento não-prático. Mas, como sugere Fourez, não há teoria sem prática e nem prática sem teoria. No entanto, teoria e prática assumiram certo sentido de antônimos.
A palavra grega techné tinha o sentido de “arte”. Sentido esse bastante amplo, abarcando não apenas o que se considera hoje como arte, de modo que incluía também a noção de “habilidade”. Aos poucos techné transformou-se em “técnica”, no sentido de regras relativas à produção de materiais diversos, afastando-se do sentido amplo de “arte”.
Cada doutrina de Conhecimento tem seus postulados, axiomas, paradigmas. Os postulados e axiomas são princípios primeiros sobre os quais sem embasa toda a disciplina; eles não necessariamente foram submetidos a métodos científicos de análise, mas constituem elementos fundamentais sobre os quais a linguagem da doutrina se estabelece. A palavra “paradigma” significa “modelo” em grego e se refere aos modelos vigentes em determinados período sobre os quais se constroi uma doutrina e uma disciplina. Eventualmente esses axiomas, postulados, paradigmas assumem um caráter de “dogma”, como por exemplo no assim chamado “dogma central da Biologia” referente ao modelo de produção de proteínas a partir de DNA-RNA. Embora a palavra “dogma” seja habitualmente asociada a religião, neste caso o seu uso traz à tona certo caráter de “crença” que pode acompanhar o Conhecimento ou a Ciência.   




sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Aula 1 do Curso "Abordagens do Conhecimento": "Conhecimentos e Ciências: um brainstorm".

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves
O título deste trabalho no plural já indica que consideramos a possibilidade de “vários conhecimentos e várias ciências” e, portanto, não apenas uma única forma de apreensão e compreensão de si e do mundo.
Consideramos a LINGUAGEM como um precedente essencial e geral a todas as formas de Conhecimentos e Ciências.
A Linguagem constitui-se na ferramenta básica do exercício e construção dos Conhecimentos e Ciências.
Constitui também a ferramenta do exercício da Epistemologia, que é o ESTUDO dos Conhecimentos e Ciências.
E, evidentemente, também constitui a ferramenta de construção desta exposição que agora estamos fazendo.
Nesse sentido, acrescentamos a reflexão: a FORMA expressa o CONTEÚDO?
Ou seja, aquilo que se pretende estudar, conhecer, demonstrar, é devidamente entendido e explicado pela forma adotada? O conteúdo é dependente ou independente da forma adotada?
Lembrando que a linguagem não é apenas verbal, mas também visual, gestual, auditiva, sensitiva, etc.,o quanto todas essas formas de comunicação expressam o conteúdo daquilo que pretendem comunicar?
Esse questionamento lembra que a linguagem também pode ser obstáculo para expressar o conteúdo. No entanto, não há como escapar da linguagem.
Ao surgirem as primeiras comunidades de Homo sapiens, juntamente com o surgimento da linguagem surgiu também a Cultura.
Usamos aqui a palavra Cultura não como significando aquilo que é adquirido com o acúmulo de informações e conhecimento, embora não neguemos o emprego deste termo nessas situações.
Aqui usamos a palavra Cultura como significando aquilo que resultou da convivência comunitária de seres humanos que fizeram uso da linguagem (entendida como um atributo humano). Ou seja, a espécie humana e as outras espécies animais têm como necessidades básicas o “comer, beber, dormir, procriar”. No entanto, para os seres humanos, “comer, beber, dormir, procriar” sempre implica em alguma coisa a mais que se insere na “Cultura”.
Entre tais atividades culturais estão as diversas formas de procedimentos “ritualísticos” que acompanham essas atividades. Esses processos tornaram-se mais complexos na medida em que os seres humanos passaram a ter várias reflexões, sentimentos e emoções sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, adquirindo noções que “transcenderam” às atividades vitais corriqueiras.
Podemos dizer que, provavelmente, ser humano, linguagem e cultura surgiram juntos. Assim também “o conhecer”. Talvez as primeiras formas de “conhecer” tenham ocorrido a partir de duas ferramentas: a capacidade de comparação e a memória. A capacidade de fazer comparações, aproximando ou distanciando as coisas observadas, levou a sucessivas “associações” que só foram possíveis de constituírem “Conhecimento” a partir da possibilidade de serem “memorizadas”.
.Podemos entender o “Conhecer” como: entender, compreender, saber, interpretar, “re-conhecer”. Cada um desses sinônimos de “conhecer”, pode indicar diversas formas e processos de Conhecimento que não apenas o estritamente científico, que tem hegemonia nos tempos atuais.
Essas são diferentes formas de apreensão e interpretação “consciente” de dados fornecidos pelos sentidos.
Por outro lado, “eu tenho conhecimento de que tenho Conhecimento”.
“Conhecer que tenho Conhecimento” é como “o reconhecer-se no espelho”.É auto-evidente.
Supostamente só o ser humano tem capacidade de “reconhecer-se no espelho”. Tem capacidade de dizer: “aquele que está ali não é um outro; aquele que está alí sou eu mesmo”. Por outro lado também é capaz de dizer: “Aquele que está alí é uma imagem minha, mas não é a minha pessoa. Eu estou aqui e ali no espelho está apenas uma imagem visual do que eu sou”.
Essas possibilidades são próprias do ser humano. Supostamente apenas o ser humano tem essa capacidade paradoxal de “dividir-se” e assim “olhar-se”, pois para fazer uma “reflexão” sobre si mesmo, para pensar, ou falar sobre si como se falasse de um outro o ser humano tem essa capacidade de divisão. Paradoxal porque implica em glória e ruína para o ser humano. Simbolicamente falando, é como o “fruto do CONHECIMENTO do Bem e do Mal”. A possibilidade de “conhecer” eleva e rebaixa, alegra e entristece o ser humano.
Em um nível amplo de debate sobre o Conhecimento, podemos tentar extrapolar outras reflexões como:
- os outros seres vivos “podem conhecer” de algum modo?
- quando um ser unicelular reage a estímulos benéficos de um modo e aos nocivos de outro, há aí uma atividade precursora do Conhecimento?
- a informa;’ao físico-química do DNA e das proteínas é precursora do conhecimento?
- as máquinas podem conhecer?
Antes de tudo, essas são perguntas e elocubrações feitas por um OBSERVADOR HUMANO. Sem essas elocubrações não se cogitaria tais coisas. Sem o SER HUMANO não seria possível pensar se moléculas, células, seres vivos, ou máquinas poderiam conter uma parcela da função de conhecer.
Assim, só há Conhecimento ou Ciência porque há um conhecedor, um cientista, que possa praticar essa atividade, ou seja, um SER HUMANO.
Portanto, esse Conhecimento, essa Ciência são DEPENDENTES desse observador, não existem por conta própria.
Estudos do Conhecer -
Para abordar o Conhecimento posso estudar seus diferentes processos:
1 - biológicos e neurológicos
2 - cognitivos e psicológicos
3 - históricos e sociais
4 - antropológicos e culturais
5 - filosóficos
6 - outros
Nesses diferentes processos, um pressuposto biopsíquico é a “Consciência”, ou “Cons-Ciência”, pressuposto esse que pode ser estudado também por outros campos.
Assim, ter conhecimento de alguma coisa é como ter ciência dessa coisa, ou seja, para ter conhecimento preciso ter “Consciência”.
O quê é Consciência?
Como dizia William James (1842-1910): ”todos sabem o que é consciência até o momento de querer definí-la.”
William James falava em “várias consciências”. Mas, no momento não vamos focar essas noções desse estudioso.
Vamos citar os principais sentidos de “consciência” em variados campos:
- Consciência neurológica, ou clínica: é um ESTADO de plena noção de si e do meio.
- Consciência psicológica: dentro da noção psicológica de consciente, ou ainda próxima da noção de ego.
- Consciência filosófica: a percepção da distinção e das relações entre o “eu” e o mundo
- Consciência ética: o que diz respeito às relações entre o “eu” e o outro.
Há intersecções entre essas diferentes noções de consciência, e mesmo estas duas últimas compreendem ambas o campo filosófico.
Em se falando em consciência também pode-se pensar na “mente que processa o Conhecimento”.
Na mente podemos "situar" razão e emoção, instinto e intuição.  
Devemos frisar que essas diferentes funções não são exatamente opostas, mas, que a interrelação entre elas implica em diversos mecanismos que concorrem para o Conhecimento. Assim, o processo de conhecer não inclui apenas o raciocínio , ou  a razão, mas inclui também emoção e instintos. Por outro lado, a intuição, por vezes de difícil definição, pode ser melhor entendida se for lembrada como uma importante função no processo criativo. A criatividade, em suas variadas vertentes, implica em intuição, que provém das outras três funções em conjunto. Aliados a esses fatores estão: o imaginário e as noções de consciente e inconsciente dentro da psicodinâmica tradicional.
Devemos ter cuidado com o contexto em que se situar a palavra “inconsciente”. Entende-se que um indivíduo que chega inconsciente a um Pronto Socorro, tenha chegado “desmaiado”, “sem sentidos”. Já quando alguém diz que cometeu um “ato falho”, costuma dizer também que cometeu um ato inconsciente.
Além disso, o quadro inclui também as Funções Cognitivas, que são as funções ligadas ao aprendizado, dentro de uma perspectiva mais neurológica que incluem: atenção, orientação temporo-espacial, linguagem, memória, capacidade de cálculo, outras correlações situacionais.
Além das Funções Cognitivas, que incluem a memória neuropsíquica, há também “outras memórias”.
Essas outras memórias também participam do processo de Conhecimento.
Assim, há uma memória neuropsicológica, mas também há uma memória histórica, coletiva, cultural.
Temos Conhecimento Cultural do passado pela memória histórica.
Nesse sentido, entre os antigos gregos,  Mnemósine, a deusa da memória, precedia o Culto aos Heróis Gregos, dando assim um sentido de preservação à cultura desse povo.
Linguagem – ferramenta do conhecer
A linguagem das Ciências Exatas, Ciências Humanas e Ciências Biológicas é transversalizada pela Linguagem Coloquial e Artística. Por sua vez, todas essas linguagens estão abarcadas por um campo mais amplo que diz respeito à Linguagem Cultural Ampla, que compreende todas as formas possíveis de linguagem humana.
Assim, há fenômenos naturais ou humanos que  podem ser estudados pelos campos científicos específicos, mas que dentro de um campo mais genérico não-científico pode já implicar em Conhecimento.
Um exemplo de um conhecimento a priore que não necessita de comprovação científica é a noção de “fogo”.
Todos sabem o que é o FOGO desde a pré-história.
Ao ouvir a palavra FOGO, já há um entendimento implícito “ancestral” que faz parte de um conhecimento cultural comum (evidentemente para aqueles que entendem português).
Há também a compreensão cultural vivencial do “fogo”. Seja qual for a língua de uma pessoa, a visão do fogo implica em noção de queimar. Esse é um conhecimento que não necessita da ciência. Ninguém vai dizer que só vai passar a dizer que o fogo queima depois que a ciência provar que o fogo queima.
Pode haver alguém que queira citar a exceção de uma doença neurológica genética rara na qual não há a percepção táctil de dor. Pode haver alguém também que lembre casos de doenças como a hanseníase, onde pode ocorrer a ausência localizada da sensação de dor. No entanto, o fato de haverem essas exceções, em sendo exceções, confirmam “a regra” de que a noção de fogo é uma noção universal entre os seres humanos.
Outra coisa é o “estudo científico” do fogo. Pode-se dizer cientificamente que sem oxigênio não há fogo e coisas desse tipo.
Noções históricas do Conhecimento
A palavra Conhecimento vem do Latim  cognoscere, que, por sua vez, vem do  Grego gnosis. Esse é um termo grego mais para Conhecimento experiencial, vivencial, enquanto o termo Episteme seria mais para um Conhecimento teórico, ou ainda conhecimento com certo método.
Com o passar do tempo, palavras derivadas dessas passaram a ter sentidos diversos, de modo que Epistemologia diz respeito ao estudo do Conhecimento em si, e não de um conhecimento técnico específico de uma área prática.
Nossa noção ocidental de Conhecimento é “bastante grega”. Ou seja, a herança cultural grega de Conhecimento permanece influente na maneira ocidental de conhecer.
Historicamente, a primeira fase de Conhecimento dos gregos é a fase “pré-filosófica” ou fase mítico-religiosa-existencial do conhecimento.
Esse é um período em que o Conhecimento era legado de geração a geração, por relatos acumulados desde remotas eras, com um entendimento de mundo e de ser humano proveniente de antigas associações e correlações. Nós, hoje em dia, temos impressão de que essa forma de conhecimento era simplesmente ingênua ou até mesmo ignorante. No entanto esse é um julgamento equivocado por não levarmos em consideração as circunstâncias da época em questão.
Karl Kerényi (1897-1973), um dos maiores estudiosos da mitologia grega, dizia que, para os gregos, cada elemento mítico tinha seu “equivalente existencial”, “como duas faces de uma mesma moeda”. Ou seja, os mitos diziam respeito á realidade do dia a dia das pessoas e não eram simplesmente devaneios. Esses entendimentos permitiam aos gregos a resolução de seus problemas e a sua organização social e cultural.
Posteriormente, observados à distância, os mitos começaram a serem vistos como abstratos, etéreos e separados da vida comum.
Depois, têm-se a Fase Filosófica.
Essa fase é assim considerada por ser determinada pelo fato de começar-se a fazer perguntas a respeito do mundo, apesar de já haverem explicações tradicionais acabadas sobre essas questões. Assim, também foram procuradas formas de responder ou explicar essas indagações. Alguns métodos começam a ser utilizados para atingir esse conhecimento.
Tradicionalmente considera-se Tales de Mileto (c.625-546 a.C.) como o primeiro filósofo grego.
Em seus métodos usava a reflexão especulativa e a matemática experimental. Assim que se tem, por exemplo, o conhecido Teorema de Tales, que teria provindo da necessidade dele medir a Grande Pirâmide.
Deve-se frisar que tudo o que se sabe sobre Tales (bem como sobre diversos outros filósofos) foi escrito por outras pessoas e não por ele.
Tales em sua Escola de Mileto teve seguidores em Anaximandro e Anaxímenes.
 Xenófanes de Cólofon (c.560-478 a.C.) era um opositor dessa escola de Mileto e criou a Escola de Eleia. Tido como um reformador religioso, ou mais como um poeta do que filósofo, ele é tido como um “desmistificador”, ou seja um detrator das características antropomórficas dos deuses gregos.
Embora sendo um aparente “recorte” entre o tempo dos mitos e o da filosofia, no entanto os próprios filósofos continuaram com suas crenças, ao mesmo tempo em que faziam suas especulações.
Há outros importantes pré-socráticos, como, por exemplo, Pitágoras, mas o tamanho desta aula não comporta uma maior explanação sobre isso.
Há que se lembrar ao menos que atribui-se a Pitágoras a criação da palavra Filosofia, embasada em uma atitude de certa humildade de Pitágoras ao afirmar que “sábio só Deus”, e que ele era apenas um “amigo da sabedoria”, que é o sentido da palavra “filósofo”.
A partir de Sócrates (c.470-399 a.C) inicia-se um novo período da Filosofia Grega. Sócrates volta-se mais para o questionamento do interior do ser humano, enfocando a consciência e o auto-conhecimento. Sócrates fundamenta o conhecimento como uma virtude (Arethé) e como uma Episteme, ou seja uma atividade reflexiva e não somente vivencial. Sócrates nada escreveu. Platão, seu maior discípulo fez relatos do método Maiêutico de Sócrates em que, através de perguntas sucessivas, fazia com que o o próprio questionador chegasse à solução de seu questionamento.
Platão (c.428-348 a.C.) discípulo de Sócrates, criou a Academia. Esse nome vem do herói grego Academo, sobre cujo túmulo foi construída essa escola. Na porta da Academia havia uma placa que dizia: “aqui só entra quem souber Geometria”. Esse dado já indica uma clara disciplina de conhecimento com essa designação e explicita um critério de seleção para o ingresso em tal escola.
Platão praticamente “sistematizou” a Filosofia com suas inúmeras obras escritas.
Considerava que aprender era uma espécie de “recordar”, pois as noções perfeitas do que são realmente as coisas estariam localizadas em um Mundo das Ideias (Topos Noetos), apenas parcialmente acessado pelos seres humanos, que, assim teriam imperfeito conhecimento do Real.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, criou o Liceu, nome esse devido a essa escola estar situada ao lado do templo de Apolo Lício. Aristóteles estudou praticamente sobre “tudo”. Mas ele tinha algumas ideias que diferiam das de seu mestre Platão. Para Aristóteles, todo Conhecimento seria provindo daquilo que entra pelos sentidos.
Esse ainda é o autor mais citado em Ciências Humanas.
Parte do Conhecimento Grego perdurou no período romano e na Idade Média.
Queremos frisar que na Idade Média o Conhecimento não desapareceu (!).
Por exemplo: os estudiosos da I. Média não pensavam que o mundo era plano (!).
Esse mito foi construido por Antoine-Jean Letronne (1787-1848) e Washington Irving (1783-1859).
Em primeiro lugar a noção de Idade Média foi construída posteriormente à mesma. Em segundo lugar os iluministas e pós-iluministas construíram a ideia de que a Idade Média era uma Idade das Trevas. Isso foi uma espécie de mecanismo de defesa de projeção, ou seja, projetar o mal nos outros e ficar com o bem para si. Assim, os iluministas tinham a luz da Razão enquanto os medievais estavam imersos na escuridão da ignorância.
Após o Renascimento costuma-se situar a “Revolução Científica”.
Ocorre que a ideia de Revolução como sinônimo de “agitação”, “mudança rápida”, “mudança tumultuada” viria depois da Revolução Francesa (1789). Assim, no tempo da Revolução Científica essa palavra significava um determinado tipo de movimento circular.
Então certas revoluções do Conhecimento foram assim entendidas à distância, por alguém que veio tempos depois.
De qualquer forma, o século XVII também é chamado de século da Revolução Científica.
Há quem também tivesse chamado de Revolução Copernicana à publicação da obra de Copérnico em 1543, referente à passagem do geocentrismo ao heliocentrismo.
Ora, em sendo “revolução”, poucas pessoas teriam sido atingidas por ela no tempo de Copérnico, já que poucos eram os estudiosos e a maioria da população continuava vivendo sua vida dizendo que o sol nasce, anda e se põe. Aliás, nós ainda continuamos dizendo isso e  essa é uma verdade muitas vezes suficiente e abrangente para diversas situações que vivenciamos no dia a dia.
Diz-se que com a Revolução Científica começou a experimentação, mas o conhecimento grego se dividia entre experimentação e especulação.
Também na Idade Média estava presente a experimentação, haja vista os experimentos de Robert Grosseteste (1168-1253) e seu discípulo Roger Bacon (1214-1294).
De qualquer modo, chamamos de Ciência “Moderna” aquela que começa na assim chamada Idade Moderna. Tradicionalmente seus principais expoentes foram: Francis Bacon, René Descartes e Galileu Galilei.
Francis Bacon (1561-1626) criou o método assim chamado de Empirismo, o qual valoriza a Ciência Experimental como forma de Conhecimento. Faz uso da Indução, ou seja, do método que considera inferir-se um determinado entendimento como provindo “do particular para o geral”. Assim, um determinado experimento, em circunstâncias similares, poderia supostamente levar ao mesmo resultado.
René Descartes(1596-1650) foi o criador do Racionalismo  e do método que levou a “dividir para entender”. Seu método valorizou a Dedução, ou seja, o caminho que vai “do geral para o particular”.
Galileu Galilei (1564-1642) trabalhou com ciência experimental fazendo uso específico da matemática e de medidas. Teve embate com os estudiosos seus contemporâneos por propor métodos indiretos de conhecimento por meio de instrumentos. Como Aristóteles dizia que o Conhecimento era adquirido pelos sentidos, os outros estudiosos desconfiavam da necessidade de utilizar-se de alguma coisa entre os sentidos e o objeto, como, por exemplo, o telescópio.
De Scientia para Ciência
A Scientia dos estudiosos medievais e depois de Descartes, Bacon e Galileu transforma-se em Ciência, na medida em que as línguas vernáculas substituiram o latim como expressão do conhecimento, mantendo-se a palavra “Ciência” nas traduções. Em Latim o verbo para “conhecer” é Scire, de onde vem Scientia.
No século XVII também surgiram as primeiras sociedades científicas.
Essas sociedades foram uma espécie de oficialização da Ciência no contexto do Estado e indicou a percepção dos detentores do poder político de que a Ciência poderia ser um importante aliado para a manutenção do poder.
Assim, em 1660 foi criada a Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledge, logo após a Restauração do Rei Charles II. Foi  lançada a ideia de instalar um “Império do Conhecimento”.
Em 1666 foi fundada a Académie de Sciences da França, pelo Rei Luís XIV.
Uma personagem histórica que surge nesse período e que adentra ao século XVIII como importante estudioso é Isaac Newton (1643-1727).
Eventualmente ele é citado como Cientista ou Físico. Mas, nos anos em que viveu essas duas palavras ainda não existiam.
Na verdade, ele era um Filósofo Natural. Assim, sua obra principal foi:
Philosophie Naturalis Principia Mathematica (1687), ou seja Princípios Matemáticos da Filosofia Natural. Nessa obra ele deixou fundamentos da Mecânica Clássica.
Além disso, também era um alquimista., um estudioso da religião e de esoterismo.
No transcorrer do Século XVIII configura-se o Iluminismo como um processo de reforçar-se a Razão como meio de Conhecimento e Liberdade para os povos. No entanto, no fim desse mesmo século, após a Revolução Francesa, ocorreu o que foi chamado de Terror, com a perseguição e execução sumária de supostos inimigos, sendo que as emoções instintivas e a paranoia superaram a razão em pouco tempo após a suposta vitória desta.  
Algo concomitantemente, o Iluminismo alemão, ou Erklarung, tinha como seu representante principal Immanuel Kant (1724-1804). Inúmeros poderiam ser os comentários para se fazer sobre Kant e o Conhecimento. No entanto, aqui faremos menção a um trabalho dele não tão citado que é O Conflito das Faculdades (1798).
Nessa obra ele reclamou dos favores do príncipe às Faculdades de Teologia, Direito e Medicina em detrimento da Faculdade de Filosofia (que englobava todas as humanidades). Para Kant esta faculdade deveria ser o centro das outras, ou ainda preceder as outras. Essa obra também pode ser vista como uma sinalização da gradual superação das áreas que irão aos poucos dar espaço à Ciência de “interesse prático”, deixando os outros campos em situação “menos científica”. 
Século XIX
Neste século as Ciências acabam configurando-se como tal, acompanhando a chamada Revolução Industrial e a instituição dos Estados-Nação modernos.
Nesse século que surge o termo “Cientista” – palavra criada por William Whewell em 1833 (1834) de forma irônica, fazendo analogia a “artista”.
Em 1840 publicou o termo seriamente, tendo criado também o termo “físico” para o estudioso da Física, na obra  The Philosophy of the Inductive Sciences.
Século XX
Evidentemente neste brainstorm estamos passando rapidamente por grandes períodos.
Assim no século XX temos alguns marcos no Conhecimento em sentido amplo:
1900 – Freud – Interpretação dos Sonhos
1900 – Max Plank – Física Quântica
1905 – Einstein – Teoria da Relatividade
1927 – Heisenberg - Princípio da Incerteza
Devemos assinalar que a Primeira Guerra Mundial, que é menos lembrada do que a Segunda, foi um importante marco divisório de épocas, em parte mais traumático do que a Segunda Guerra. Antes de 1914 havia certo espírito de que a Ciência iria resolver todos os problemas. Após 1918, o mundo cai em perplexidade, surge um Tempo de Incertezas (e a Geração Perdida). É notório que o assim chamado Principio da Incerteza de Heisenberg, de certa forma expressa isso, expressando na linguagem científica um estado de espírito então vigente. Por outro lado, esse princípio acompanhou também um questionamento emergente a respeito de um Cientificismo então em voga.
No questionamento desse cientificismo vem a obra de Gaston Bachelard (1884-1962) de 1934 – “O novo espírito científico”. Bachelard, influenciado pelas ideias psicanalíticas, considera que a mente que produz a Ciência não é apenas racional, mas também tem presente as influências do inconsciente na produção do cientista. 
Já como um exemplo de uma busca de nova sistematização da Ciência, mas dentro de parâmetros neo-positivistas há Karl Popper (1902-1994) responsável pelo Racionalismo crítico e seu critério de Falseabilidade com a obra de 1959 - “A Lógica da Descoberta Científica”. No racionalismo crítico, Popper acha que pode-se questionar a Ciência por meio da reflexão filosófica, mesmo sem se estar dentro do cotidiano científico. Na Falseabilidade Popper acha que apenas o que pode ser falsificado é que diz respeito à Ciência. 
Já dentro de uma visão dinâmica da Ciência Thomas Kuhn (1922-1996) em “A estrutura das revoluções científicas”(1962)  lança o conceito de paradigmas. Reforça que toda atividade científica está inserida em um contexto mais amplo: cultural, social, histórico, político, econômico, etc. Assim, a Ciência não acontece por si só e isolada e a Ciência não se basta a si mesma e não caminha por seus próprios passos.
Podemos dizer então que existem“Várias Ciências” e não uma só.
Havia a Ciência da Mesopotâmia, a Ciência do Egito, etc.
Há uma Ciência de cada contexto cultural.
A Ciência “hegemônica triunfalista ocidental” liga-se a ganhos e perdas para a humanidade; cresceu e se impõe ligada ao poder econômico e político.
O conhecimento científico convencional adota um distanciamento entre sujeito e objeto: têm-se a Impressão de sujeito  “neutro” e “ciente da verdade” e de objeto com “medidas absolutas”.
Em uma nova epistemologia científica o Conhecimento se processa entre sujeito e sujeito: um sofre a influência do outro; a observação depende de cada um; as “medidas” obtidas são relativas.
Temores a respeito da Ciência Moderna
No Séc XIX a Ciência também era vista como ameaça ao ser humano e não apenas como um triunfo do progresso. Assim, têm-se as obras: "Frankenstein", Jeckill and Hyde(O médico e o monstro), etc. 
Após 2a. Guerra Mundial e as bombas sobre Hiroxima e Nagasaki (produzidas pela ciência), além da  Guerra Fria, houve uma relativização da Ciência como depositário da Verdade e do Bem.
 Surge então a necessidade de diálogo entre a Ciência e outras formas de  Conhecimento.
Assim a visão ideal de uma “Ciência Pura”,ou de um “Cientista despojado e iluminado” precisa ser repensada em busca da dimensão humana da Ciência e do Cientista, sujeito às mais variadas influências, pressões, necessidades, anseios, haja vista que muitos cientistas se dedicaram e se dedicam a aprimorar formas de destruição cada vez mais sofisticadas.
Deve-se levar em conta o poder relativo da Ciência:
Os avanços tecnológicos e científicos são inegáveis (pois permitem até que esta aula aconteça desta forma) mas, não há Ciência imparcial, não há Ciência pura, o que não necessariamente implique em erro moral.



sexta-feira, 14 de junho de 2013

Filosofia das Neurociências – parte 1

2ª Aula do Curso "Filosofia das Neurociências e Neurofilosofia"
Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Podemos iniciar refletindo a respeito de uma Epistemologia das Neurociências.
Essa Epistemologia pode se fundamentar em três eixos:
1 – Construção histórica de Neurociências.
2 – Embasamento filosófico de Neurociências.
3 – Quais limites definem ou conceituam Neurociências.
Vamos tentar utilizar essas três linhas entremeadas em nosso estudo.

O termo NEUROCIÊNCIA (NEUROSCIENCE), no singular, apareceu na década de 1950.
Já NEUROCIÊNCIAS, no plural, ganhou força na década de 1990.
Às vezes esses termos são sinônimos, outras vezes não.
O termo plural Neurociências, no sentido restrito, por vezes é usado como sinônimo de Neurociência.
Neurociências, no sentido amplo, hoje em dia tem sido uma espécie de sinônimo de “Neurotudo”. Com certo modismo no uso do prefixo “neuro”, basta aplicar-se algum termo que soe bem e tem-se assim a palavra mágica de “neuro-qualquer coisa”.
Também “Neurociências” pode se referir ao estudo de qualquer subárea do Sistema Nervoso. No entanto, os profissionais da área “neuro” nem sempre se identificam ou são identificados com o termo “neurocientista”, que mais comumente se aplica a quem faz pesquisa sobre o Sistema Nervoso, principalmente pesquisa básica.
A aplicação prática dessa Ciência é muitas vezes feita pelo Profissional de Saúde da área do Sistema Nervoso.
O autor Lent apresenta uma subdivisão de Neurociências, que neste caso se refere ao sentido mais restrito do termo:
1 – Neurociência molecular ou Neuroquímica ou Neurobiologia molecular.
2 – Neurociência celular ou Neurocitologia ou Neurobiologia Celular.
3 – Neurociência sistêmica:
-          Neurohistologia
-          Neuroanatomia
-          Neurofisiologia
4        – Neurociência comportamental ou Psicobiologia ou Psicofisiologia.
  5 – Neurociência Cognitiva ou Neuropsicologia.

Caminhando mais nessas reflexões podemos questionar o que significa “Fazer” Ciência.
“Fazer” Ciência corresponde a uma atividade que ocorre apenas em laboratório?
Quem “faz” Ciência é apenas o que “cria” ou “aprimora” algum método de pesquisa?
Quem só repete o método de pesquisa “faz” Ciência?
Quem “aplica” Ciência faz Ciência?
O Médico que faz Ensaio Clínico faz Ciência? É cientista?
E o profissional que faz Metanálise? Faz Ciência? É cientista?
A Pesquisa em Ciências Humanas é Ciência feita por cientista?
Pesquisa qualitativa é científica?
Dependemos de como abordarmos essas perguntas, elas podem parecer simples de serem respondidas ou não. Depende de qual conceituação se esteja utilizando.
Agora vejamos um pouco de como foi a existência de uma espécie de  “Neurociência antes da Neurociência”.
Seja em sentido restrito ou sentido amplo o termo Neurociência surge nos anos 1950.
Antes disso já havia Ciência sobre o Sistema Nervoso, que se embasava em determinados modelos.
Vejamos então alguns marcos históricos a respeito do Sistema Nervoso:
A palavra Neurologia – 1664 – Thomas Willis.
O termo Sistema Nervoso – 1802 – Bichat.
O termo Neurociência – anos 1950 com Ralph W.Gerard e consolidado em  1960-62 com Frank Schmitt.
O termo Neurociências, no plural, consagra-se nos anos 1990 na assim chamada “década do cérebro”.
Para observarmos mais de perto a construção histórica de uma Ciência do Sistema Nervoso, vamos usar a “lente” de Thomas Kuhn referente aos paradigmas, olhando assim para os modelos dos diferentes períodos.
PRIMEIRO PERÍODO
Pré-História até 1664 com Thomas Willis.
Antes de Thomas Willis criar a palavra “neurologia”, podemos estudar o que algumas das antigas culturas podem ter entendido a respeito daquilo que agora chamamos de Sistema Nervoso.
É sabido que os Egípcios faziam trepanações, ou seja, abriam o crânio, aparentemente com finalidade terapêutica, mas, por outro lado, nas mumificações, eles praticamente jogavam o cérebro fora, enquanto valorizavam a preservação do coração como órgão mais importante ligado à “consciência” (ou ao que nós consideramos como consciência).
Entre os antigos Gregos Pitágoras (580-572 – 500-490 a.C) foi um dos primeiros a ter ideias e doutrina organizada a respeito de saúde e doença. Filósofo de Samos que fundou a Escola de Crótona, ele considerava o número como a essência de todas as coisas. Ele seguia uma doutrina do Orfismo (doutrina embasada no mito de Orfeu), entre outras influências. Propunha o vegetarianismo, dietas, exercícios, música. Cogita-se que eles não comiam feijão pelo fato deste ter um formato similar ao cérebro. Seria esse um indício de que consideravam o cérebro como “órgão da mente” ou mesmo talvez “da alma”?
Os pitagóricos acreditavam na metempsicose (uma variante da ideia reencarnacionista). Portanto, eram dualistas, ou sejam viam uma separação entre alma e corpo, ou entre mente e corpo. Devemos entender que há várias formas de dualismo e que essa classificação “dualista” diz respeito à construção do nosso olhar para esses e outros processos.
Os pitagóricos provavelmente influenciaram o Juramento de Hipócrates em seus aspectos de respeito à vida, entre outros fatores.
Um importante médico pitagórico Alcméon de Crótona (560-500 a.C.) foi talvez o primeiro grego a considerar o cérebro como órgão responsável por funções ligadas a mente e comportamento.
Seu método: dissecou cadáveres. Isolou o nervo óptico, entre outras estruturas.
Seu paradigma: a partir daí considerou o cérebro como responsável pelas funções mentais e pela sensibilidade.
Mas, Alcméon não ficou com um papel tão marcante nessa conceituação a respeito do cérebro como depois teve Hipócrates.
Hipócrates (460-377-370 a.C.), considerado como o “Pai” da Medicina, era de uma família de Asclepíades (ou seja, descendentes de Asclépio, deus  da Medicina). Era responsável pela Escola de Cós (Ilha de Cós) e pela Escola Hipocrática. Esta Escola tinha como práticas a Observação Clínica, o Raciocínio Diagnóstico, a teoria dos humores provinda de influência dos pitagóricos e, consequentemente, novas considerações sobre relações “causa-efeito”.
A respeito do cérebro, o texto mais famoso de Hipócrates é “Da Doença Sagrada”.
Seu Método: Observação Clínica.  Além da influência de Alcmeon.
Paradigma: Todas as atividades psíquicas e comportamentos, incluindo as supostamente provindas dos deuses, são originários do cérebro.
Podemos ter aí uma variante de oposição entre Monismo e Dualismo.
Alcmeon era dualista como os outros pitagóricos.
Hipócrates tinha um “discurso” mais do tipo monista, mas com influência pitagórica, por exemplo, no Juramento.
Lembramos que o embate monismo x dualismo permanece em diversas variações.
Alguns médicos hipocráticos iniciaram dissecções sistemáticas em Alexandria (300 a.C.). Entre estes houve Herophilus (335-280 a.C.), considerado “Pai da Anatomia” (antes de Vesalius, do século XVI, que passou a ser o “Pai da Anatomia Moderna”).
Herophilus descreveu cérebro, cerebelo e ventrículos, aos quais associou a psiqué.
Distinguiu entre nervos e tendões e entre raízes motoras e raízes sensitivas.
Erasístrato (310-250 a.C) foi outro hipocrático.
Associou o tamanho do cerebelo à habilidade de correr e a complexidade dos giros cerebrais ao intelecto.
 Além de Hipócrates e dos hipocráticos, os filósofos gregos também tinham suas considerações a respeito de mente e comportamento.
Platão (428-427- 348-347 a.C.):
Método: múltiplas tradições; observações em geral; geometria; matemática.
Paradigma: frenes instintiva; frenes emocional; frenes racional.
Para Platão, abaixo do diafragma (a estrutura que separa duas frenes) havia uma frenes instintiva e acima havia uma frenes emocional (no coração). A frenes racional ficava na cabeça.
A princípio ideias estranhas ao nosso modo de pensar, esse modelo tem encontrado algum “eco” em novas visões científicas sobre o Sistema Nervoso.
Estudos atuais mostram que o sistema nervoso autônomo abdominal e mais complexo do que se imaginava. Indivíduos submetidos a transplante de coração parecem ter tido uma mudança na maneira de ver a si mesmo que vai além da cirurgia de troca de um órgão. Além disso, sabemos que o desenvolvimento encefálico depende do corpo e o desenvolvimento do corpo depende do encéfalo. Como costumamos dizer, não há um cérebro (ou encéfalo) sem um corpo e nem um corpo sem um cérebro nessa interdependência.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, embora filho de médico asclepíade, não seguiu a Medicina, mas estudou sobre tudo, sendo mesmo, por vezes, considerado como “um dos pais” da Biologia.
Método: Dissecção de animais e observação.
Paradigma: Eixo Coração – Cérebro; humores – pneuma; animais irracionais e animal racional, o homem.
Habitualmente fala-se que Aristóteles considerava o coração como a sede da mente e da emoção, caracterizando assim até uma espécie de “regressão” no conhecimento médico em relação a Hipócrates. No entanto, essa conceituação aristotélica é mais complexa. Ele acha que o pneuma (o veículo da “energia nervosa”) teria que se deslocar do coração ao cérebro para se efetivar a função psíquica.
Outra forma de oposição entre Monismo e Dualismo pode ser observada entre Aristóteles e Platão.
Platão era dualista em relação a corpo e alma (ou mente). Platão achava que impressões e pensamentos poderiam vir de um Mundo das Ideias (Topos Noetos) externo ao corpo.
 Já Aristóteles tendia para certo “Monismo” na medida em que valorizava os sentidos como fonte das impressões interiores e considerava mente-comportamento como produto do interior do corpo.
Galeno (129-200) era um médico grego vivendo em Roma e ligado ao Imperador Marco Aurélio.
Método de Galeno: Anatomia comparativa; dissecção de animais.
(Na Roma pagã a dissecção de corpos humanos era proibida)
Paradigma: Ventrículos cerebrais como sedes da mente e pneuma como veículo nervoso. Outros: nervos cranianos; nervos motores (duros); nervos sensitivos (moles).
Seus paradigmas perduraram até o século XVI (ou seja, por quase quinze séculos), acompanhado por variantes de outros estudiosos.
Andreas Vesalius (1514-1564) é considerado pai da Anatomia Moderna.
Método: dissecção de cadáveres humanos.
Paradigma: obra “De humani corporis fabrica” (1543).
Vesalius deu um novo patamar à Anatomia do Sistema Nervoso.
Sua obra é do mesmo ano da obra de Copérnico a respeito do Heliocentrismo.
Vesalius era inquieto e sequioso de Conhecimento. Reclamava da Universidade de Paris, pois dizia que os alunos não faziam dissecções e os professores nada sabiam.
Foi para Pádua onde se tornou professor aos 23 anos, onde recebeu apoio oficial para dissecar.
Os desenhos de seu livro foram feitos por discípulos do pintor Ticiano e por Jan Stephan van Calcar.
Vesalius discordou de Galeno a respeito das funções mentais serem atribuições dos ventrículos, e as considerou como próprias do tecido cerebral; mas manteve a ideia dos pneuma. Discordou da existência da rete mirabilis de Galeno, dizendo que essa estrutura só existia em animais e não no ser humano.
Em Pádua foi substituido por Fallopius (1523-1562) e este por Fabricio de Aquapendente (1533-1619), que, por sua vez, foi professor de William Harvey (1578-1657). Este lançou a conceituação de circulação sanguínea no século XVII.
Esse é o período do Renascimento, em que a influência da Geometria Platônica entre outros fatores, gerou o aparecimento da Perspectiva nas Artes. Esse pensamento buscava as “medidas corretas”, as “ proporções exatas”, ou seja “a perspectiva”.
No mesmo ano da publicação sobre o Heliocentrismo por Copérnico, obra que mudava a “perspectiva” científica, foi publicada a obra de Vesalius, que visava as “medidas”, as
“proporções corretas” do corpo humano.
No século XVII, o movimento Barroco era voltado para o “movimento” do corpo.
Os estudos médicos se deslocaram da estrutura anatômica para o funcionamento dessa estrutura e para as manifestações clínicas.
Nessa linha, em 1628, William Harvey descreveu o sistema circulatório e a função cardíaca.
Nesse século XVII, conhecido como o Século da Revolução Científica, tem-se como base de pensamento filosófico e científico as ideias de Francis Bacon, Galileu Galilei e René Descartes.
Também nesse século Thomas Willis (1621-1675) deu grande impulse aos estudos sobre o sistema nervoso.
Metódo: Dissecção do cérebro e observação clínica.
Paradigma: a obra “Cerebri anatome” (1664). Atribuição de funções a diferentes áreas do cérebro.
Criou novos termos e nova linguagem a respeito do cérebro, como, por exemplo, as palavras: Neurologia, Hemisfério Cerebral, Lobo cerebral, Pirâmide cerebral, Corpo estriado, Pedúnculo cerebral.
No entanto ele manteve a ideia dos pneuma.
René Descartes (1596-1650)
Método: Observação; questionamento; reflexão;  vivissecção.
Paradigma: a alma se comunicaria com o corpo através da glândula pineal.
Corpo (e cérebro) são como máquinas comandadas pela alma.
Descartes ficou marcado como uma espécie de um “quase pai” do “dualismo moderno”, por ter “separado” corpo de alma. Embora com essa marca ele não foi o primeiro, nem o último a reforçar essa divisão.