sexta-feira, 14 de junho de 2013

Filosofia das Neurociências – parte 1

2ª Aula do Curso "Filosofia das Neurociências e Neurofilosofia"
Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

Podemos iniciar refletindo a respeito de uma Epistemologia das Neurociências.
Essa Epistemologia pode se fundamentar em três eixos:
1 – Construção histórica de Neurociências.
2 – Embasamento filosófico de Neurociências.
3 – Quais limites definem ou conceituam Neurociências.
Vamos tentar utilizar essas três linhas entremeadas em nosso estudo.

O termo NEUROCIÊNCIA (NEUROSCIENCE), no singular, apareceu na década de 1950.
Já NEUROCIÊNCIAS, no plural, ganhou força na década de 1990.
Às vezes esses termos são sinônimos, outras vezes não.
O termo plural Neurociências, no sentido restrito, por vezes é usado como sinônimo de Neurociência.
Neurociências, no sentido amplo, hoje em dia tem sido uma espécie de sinônimo de “Neurotudo”. Com certo modismo no uso do prefixo “neuro”, basta aplicar-se algum termo que soe bem e tem-se assim a palavra mágica de “neuro-qualquer coisa”.
Também “Neurociências” pode se referir ao estudo de qualquer subárea do Sistema Nervoso. No entanto, os profissionais da área “neuro” nem sempre se identificam ou são identificados com o termo “neurocientista”, que mais comumente se aplica a quem faz pesquisa sobre o Sistema Nervoso, principalmente pesquisa básica.
A aplicação prática dessa Ciência é muitas vezes feita pelo Profissional de Saúde da área do Sistema Nervoso.
O autor Lent apresenta uma subdivisão de Neurociências, que neste caso se refere ao sentido mais restrito do termo:
1 – Neurociência molecular ou Neuroquímica ou Neurobiologia molecular.
2 – Neurociência celular ou Neurocitologia ou Neurobiologia Celular.
3 – Neurociência sistêmica:
-          Neurohistologia
-          Neuroanatomia
-          Neurofisiologia
4        – Neurociência comportamental ou Psicobiologia ou Psicofisiologia.
  5 – Neurociência Cognitiva ou Neuropsicologia.

Caminhando mais nessas reflexões podemos questionar o que significa “Fazer” Ciência.
“Fazer” Ciência corresponde a uma atividade que ocorre apenas em laboratório?
Quem “faz” Ciência é apenas o que “cria” ou “aprimora” algum método de pesquisa?
Quem só repete o método de pesquisa “faz” Ciência?
Quem “aplica” Ciência faz Ciência?
O Médico que faz Ensaio Clínico faz Ciência? É cientista?
E o profissional que faz Metanálise? Faz Ciência? É cientista?
A Pesquisa em Ciências Humanas é Ciência feita por cientista?
Pesquisa qualitativa é científica?
Dependemos de como abordarmos essas perguntas, elas podem parecer simples de serem respondidas ou não. Depende de qual conceituação se esteja utilizando.
Agora vejamos um pouco de como foi a existência de uma espécie de  “Neurociência antes da Neurociência”.
Seja em sentido restrito ou sentido amplo o termo Neurociência surge nos anos 1950.
Antes disso já havia Ciência sobre o Sistema Nervoso, que se embasava em determinados modelos.
Vejamos então alguns marcos históricos a respeito do Sistema Nervoso:
A palavra Neurologia – 1664 – Thomas Willis.
O termo Sistema Nervoso – 1802 – Bichat.
O termo Neurociência – anos 1950 com Ralph W.Gerard e consolidado em  1960-62 com Frank Schmitt.
O termo Neurociências, no plural, consagra-se nos anos 1990 na assim chamada “década do cérebro”.
Para observarmos mais de perto a construção histórica de uma Ciência do Sistema Nervoso, vamos usar a “lente” de Thomas Kuhn referente aos paradigmas, olhando assim para os modelos dos diferentes períodos.
PRIMEIRO PERÍODO
Pré-História até 1664 com Thomas Willis.
Antes de Thomas Willis criar a palavra “neurologia”, podemos estudar o que algumas das antigas culturas podem ter entendido a respeito daquilo que agora chamamos de Sistema Nervoso.
É sabido que os Egípcios faziam trepanações, ou seja, abriam o crânio, aparentemente com finalidade terapêutica, mas, por outro lado, nas mumificações, eles praticamente jogavam o cérebro fora, enquanto valorizavam a preservação do coração como órgão mais importante ligado à “consciência” (ou ao que nós consideramos como consciência).
Entre os antigos Gregos Pitágoras (580-572 – 500-490 a.C) foi um dos primeiros a ter ideias e doutrina organizada a respeito de saúde e doença. Filósofo de Samos que fundou a Escola de Crótona, ele considerava o número como a essência de todas as coisas. Ele seguia uma doutrina do Orfismo (doutrina embasada no mito de Orfeu), entre outras influências. Propunha o vegetarianismo, dietas, exercícios, música. Cogita-se que eles não comiam feijão pelo fato deste ter um formato similar ao cérebro. Seria esse um indício de que consideravam o cérebro como “órgão da mente” ou mesmo talvez “da alma”?
Os pitagóricos acreditavam na metempsicose (uma variante da ideia reencarnacionista). Portanto, eram dualistas, ou sejam viam uma separação entre alma e corpo, ou entre mente e corpo. Devemos entender que há várias formas de dualismo e que essa classificação “dualista” diz respeito à construção do nosso olhar para esses e outros processos.
Os pitagóricos provavelmente influenciaram o Juramento de Hipócrates em seus aspectos de respeito à vida, entre outros fatores.
Um importante médico pitagórico Alcméon de Crótona (560-500 a.C.) foi talvez o primeiro grego a considerar o cérebro como órgão responsável por funções ligadas a mente e comportamento.
Seu método: dissecou cadáveres. Isolou o nervo óptico, entre outras estruturas.
Seu paradigma: a partir daí considerou o cérebro como responsável pelas funções mentais e pela sensibilidade.
Mas, Alcméon não ficou com um papel tão marcante nessa conceituação a respeito do cérebro como depois teve Hipócrates.
Hipócrates (460-377-370 a.C.), considerado como o “Pai” da Medicina, era de uma família de Asclepíades (ou seja, descendentes de Asclépio, deus  da Medicina). Era responsável pela Escola de Cós (Ilha de Cós) e pela Escola Hipocrática. Esta Escola tinha como práticas a Observação Clínica, o Raciocínio Diagnóstico, a teoria dos humores provinda de influência dos pitagóricos e, consequentemente, novas considerações sobre relações “causa-efeito”.
A respeito do cérebro, o texto mais famoso de Hipócrates é “Da Doença Sagrada”.
Seu Método: Observação Clínica.  Além da influência de Alcmeon.
Paradigma: Todas as atividades psíquicas e comportamentos, incluindo as supostamente provindas dos deuses, são originários do cérebro.
Podemos ter aí uma variante de oposição entre Monismo e Dualismo.
Alcmeon era dualista como os outros pitagóricos.
Hipócrates tinha um “discurso” mais do tipo monista, mas com influência pitagórica, por exemplo, no Juramento.
Lembramos que o embate monismo x dualismo permanece em diversas variações.
Alguns médicos hipocráticos iniciaram dissecções sistemáticas em Alexandria (300 a.C.). Entre estes houve Herophilus (335-280 a.C.), considerado “Pai da Anatomia” (antes de Vesalius, do século XVI, que passou a ser o “Pai da Anatomia Moderna”).
Herophilus descreveu cérebro, cerebelo e ventrículos, aos quais associou a psiqué.
Distinguiu entre nervos e tendões e entre raízes motoras e raízes sensitivas.
Erasístrato (310-250 a.C) foi outro hipocrático.
Associou o tamanho do cerebelo à habilidade de correr e a complexidade dos giros cerebrais ao intelecto.
 Além de Hipócrates e dos hipocráticos, os filósofos gregos também tinham suas considerações a respeito de mente e comportamento.
Platão (428-427- 348-347 a.C.):
Método: múltiplas tradições; observações em geral; geometria; matemática.
Paradigma: frenes instintiva; frenes emocional; frenes racional.
Para Platão, abaixo do diafragma (a estrutura que separa duas frenes) havia uma frenes instintiva e acima havia uma frenes emocional (no coração). A frenes racional ficava na cabeça.
A princípio ideias estranhas ao nosso modo de pensar, esse modelo tem encontrado algum “eco” em novas visões científicas sobre o Sistema Nervoso.
Estudos atuais mostram que o sistema nervoso autônomo abdominal e mais complexo do que se imaginava. Indivíduos submetidos a transplante de coração parecem ter tido uma mudança na maneira de ver a si mesmo que vai além da cirurgia de troca de um órgão. Além disso, sabemos que o desenvolvimento encefálico depende do corpo e o desenvolvimento do corpo depende do encéfalo. Como costumamos dizer, não há um cérebro (ou encéfalo) sem um corpo e nem um corpo sem um cérebro nessa interdependência.
Aristóteles (384-322 a.C.), discípulo de Platão, embora filho de médico asclepíade, não seguiu a Medicina, mas estudou sobre tudo, sendo mesmo, por vezes, considerado como “um dos pais” da Biologia.
Método: Dissecção de animais e observação.
Paradigma: Eixo Coração – Cérebro; humores – pneuma; animais irracionais e animal racional, o homem.
Habitualmente fala-se que Aristóteles considerava o coração como a sede da mente e da emoção, caracterizando assim até uma espécie de “regressão” no conhecimento médico em relação a Hipócrates. No entanto, essa conceituação aristotélica é mais complexa. Ele acha que o pneuma (o veículo da “energia nervosa”) teria que se deslocar do coração ao cérebro para se efetivar a função psíquica.
Outra forma de oposição entre Monismo e Dualismo pode ser observada entre Aristóteles e Platão.
Platão era dualista em relação a corpo e alma (ou mente). Platão achava que impressões e pensamentos poderiam vir de um Mundo das Ideias (Topos Noetos) externo ao corpo.
 Já Aristóteles tendia para certo “Monismo” na medida em que valorizava os sentidos como fonte das impressões interiores e considerava mente-comportamento como produto do interior do corpo.
Galeno (129-200) era um médico grego vivendo em Roma e ligado ao Imperador Marco Aurélio.
Método de Galeno: Anatomia comparativa; dissecção de animais.
(Na Roma pagã a dissecção de corpos humanos era proibida)
Paradigma: Ventrículos cerebrais como sedes da mente e pneuma como veículo nervoso. Outros: nervos cranianos; nervos motores (duros); nervos sensitivos (moles).
Seus paradigmas perduraram até o século XVI (ou seja, por quase quinze séculos), acompanhado por variantes de outros estudiosos.
Andreas Vesalius (1514-1564) é considerado pai da Anatomia Moderna.
Método: dissecção de cadáveres humanos.
Paradigma: obra “De humani corporis fabrica” (1543).
Vesalius deu um novo patamar à Anatomia do Sistema Nervoso.
Sua obra é do mesmo ano da obra de Copérnico a respeito do Heliocentrismo.
Vesalius era inquieto e sequioso de Conhecimento. Reclamava da Universidade de Paris, pois dizia que os alunos não faziam dissecções e os professores nada sabiam.
Foi para Pádua onde se tornou professor aos 23 anos, onde recebeu apoio oficial para dissecar.
Os desenhos de seu livro foram feitos por discípulos do pintor Ticiano e por Jan Stephan van Calcar.
Vesalius discordou de Galeno a respeito das funções mentais serem atribuições dos ventrículos, e as considerou como próprias do tecido cerebral; mas manteve a ideia dos pneuma. Discordou da existência da rete mirabilis de Galeno, dizendo que essa estrutura só existia em animais e não no ser humano.
Em Pádua foi substituido por Fallopius (1523-1562) e este por Fabricio de Aquapendente (1533-1619), que, por sua vez, foi professor de William Harvey (1578-1657). Este lançou a conceituação de circulação sanguínea no século XVII.
Esse é o período do Renascimento, em que a influência da Geometria Platônica entre outros fatores, gerou o aparecimento da Perspectiva nas Artes. Esse pensamento buscava as “medidas corretas”, as “ proporções exatas”, ou seja “a perspectiva”.
No mesmo ano da publicação sobre o Heliocentrismo por Copérnico, obra que mudava a “perspectiva” científica, foi publicada a obra de Vesalius, que visava as “medidas”, as
“proporções corretas” do corpo humano.
No século XVII, o movimento Barroco era voltado para o “movimento” do corpo.
Os estudos médicos se deslocaram da estrutura anatômica para o funcionamento dessa estrutura e para as manifestações clínicas.
Nessa linha, em 1628, William Harvey descreveu o sistema circulatório e a função cardíaca.
Nesse século XVII, conhecido como o Século da Revolução Científica, tem-se como base de pensamento filosófico e científico as ideias de Francis Bacon, Galileu Galilei e René Descartes.
Também nesse século Thomas Willis (1621-1675) deu grande impulse aos estudos sobre o sistema nervoso.
Metódo: Dissecção do cérebro e observação clínica.
Paradigma: a obra “Cerebri anatome” (1664). Atribuição de funções a diferentes áreas do cérebro.
Criou novos termos e nova linguagem a respeito do cérebro, como, por exemplo, as palavras: Neurologia, Hemisfério Cerebral, Lobo cerebral, Pirâmide cerebral, Corpo estriado, Pedúnculo cerebral.
No entanto ele manteve a ideia dos pneuma.
René Descartes (1596-1650)
Método: Observação; questionamento; reflexão;  vivissecção.
Paradigma: a alma se comunicaria com o corpo através da glândula pineal.
Corpo (e cérebro) são como máquinas comandadas pela alma.
Descartes ficou marcado como uma espécie de um “quase pai” do “dualismo moderno”, por ter “separado” corpo de alma. Embora com essa marca ele não foi o primeiro, nem o último a reforçar essa divisão.


quarta-feira, 5 de junho de 2013

Noções de Filosofia da Ciência

Primeira Aula do Curso "Filosofia das Neurociências e Neurofilosofia".
Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

A palavra Ciência
A palavra Ciência começou a adquirir seu significado atual quando os estudos passaram a ser publicados em vernáculo, substituindo aos poucos o latim, nos séculos XVII – XVIII.
(antes disso, Scientia era 'Conhecimento' em latim)
A palavra latina Scientia adaptou-se às várias línguas, restringindo seu sentido ao Conhecimento específico e metódico da Ciência como passou a ser entendida a partir de certa fase da Idade Moderna.

Línguas vernáculas em Ciência:
Ambroise Paré (1510-1590), cirurgião-barbeiro, foi um ‘precursor’ dos escritos científicos em vernáculo, ao escrever livro médico em francês, porque não sabia Latim. Paré era cirurgião do rei da França. Recebeu críticas dos médicos de então, que necessariamente usavam o latim na universidade. Nessa época os médicos só podiam escrever em Latim (era a língua do Conhecimento).

As Sociedades Científicas:
Houve academias de estudiosos na Itália que precederam as sociedades que são citadas a seguir. Mas essas academias tiveram duração limitada.
1660 – fundação da Royal Society of London for the Improvement of Natural Knowledge
   Logo após a Restauração do Rei Charles II é lançada a ideia de instalar um “Império do Conhecimento”.
1666 – fundação da Académie de Sciences na França. Fundada pelo Rei Luís XIV sob orientação de Jean-Baptiste Colbert.

Nesse período, outras academias ligadas a áreas de Conhecimento surgiram na França:

l’Académie française - 1635

l’Académie des inscriptions et belles-lettres - 1663

l’Académie des sciences - 1666

l’Académie des beaux-arts – 1816
Esta reuniu l’Académie de peinture et de sculpture de 1648 e l’Académie de musique de 1669 e l’Académie d’architecture de 1671.

l’Académie des sciences morales et politiques - 1795
Suprimida em 1803 e restabelecida em 1832.

Uso atual da palavra Ciência:
A palavra Ciência (sentido restrito) tem sido mais frequentemente usada para se referir às Hard Sciences (Física, Química e similares) ou às Ciências Biológicas: são áreas que usam método laboratorial de pesquisa, ou avaliação estatística.
Além disso, a aplicação da Ciência acompanha certos critérios de rigor que provêm de estudos científicos. Em sentido mais amplo, a palavra Ciência também é usada para formas de Conhecimento que usam diversos métodos diferentes do laboratorial.

Ciência Moderna:
A palavra Ciência remete-se ao que se atualiza, se aprimora, à ideia de “MODERNO”.
(latim e grego:  ‘modo’ – ‘recente’)
Por vezes, falar em Ciência Moderna pode até parecer redundante.
Assim, algo “antigo” ou “desatualizado” habitualmente é considerado como "fora do contexto científico".

Antigo versus Moderno:
“Moderno” assume caráter de BEM, de MELHOR, de EFICIENTE.
“Antigo” assume caráter de MAL, de PIOR, de SUPERADO.
Assim, CIÊNCIA “só pode ser moderna” (!?).
Ciência seria o único arauto do “verdadeiro” (!?).
A oposição Antigo/Moderno não diz respeito a um processo apenas linear e cumulativo, mas a um fenômeno CÍCLICO na História.
A equiparação de Antigo a TRADICIONAL ou Conservador e de Moderno a NOVO ou Recente nem sempre faz sentido, dependendo do processo em questão. Frequentemente o adjetivo "novo" é usado para lançar alguma proposta tida como "conservadora" ou mesmo "regressiva".

Exemplos de paradoxos antigo-moderno:
A assim chamada “Revolução” de 1930 no Brasil na verdade foi um golpe militar.
A então chamada República “Velha” correspondia a uma federação descentralizada (embora com muitos problemas no quesito 'democracia').
A então chamada República “Nova” na verdade passava a uma grande centralização (ditadura).
O então chamado Estado Novo (1937) foi uma ditadura oficializada.
Além disso, houve na República “Velha”:
- Semana de Arte MODERNA
- Hospital Psiquiátrico do Juquery – era uma instituição bem qualificada até então. Mas, entre 1938 e 1939, no Estado Novo, sua população duplicou de 1840 internos para 3325 doentes.

O termo "Moderno":
No sentido em que foi consagrado, o termo 'moderno' parece ter sido primeiramente expresso e registrado no Ocidente pelo sábio romano Cassiodoro no século VI.

Entre outras coisas ele criou o Vivarium que era então uma organização de ensino, algo acadêmica no estilo de quase uma Universidade.

Cassiodoro ausentou-se por muitos anos de Roma. Ao voltar admirou-se pelo fato de que ninguém mais entendia ou falava a língua grega. Ele disse então estar vivendo em Tempus Modernus, dando a entender uma percepção de "mudança", de certa forma de "novidade". Não necessariamente ele queria dizer que isso era "bom", mas implicava certa perplexidade.
                                       
Walafredo Strabo (séc.IX) citou a época de Carlos Magno (séc VIII-IX) como Saeculum Modernum, referindo-se às inovações trazidas pelo regime desse monarca.
A partir de 1170 começa certo conflito entre antigos e modernos em literatura e nos estudos, surgindo o termo modernitas, que aguardará séculos até surgir o termo algo equivalente "modernidade" (sec. XIX).
(para alguns escritores medievais eles estavam  vivendo em modernitas!)
Vê-se assim, que na própria Idade Média, algo de "moderno" estava presente nos ambientes de estudo, contrariando o estigma que carrega a ideia que se faz dessa época.

Nos Sécs. XIII e XIV aumenta o uso de "moderno" como “o mais recente” até que:
Séc XIV – surge a divisão tripartida da História, com Petrarca e Leonardo Bruni:
Antiguidade – Idade obscura – “tempos recentes”;
(lembramos que nesses anos 1300 a Idade Média como a conceituamos ainda não tinha acabado...)
Nesse caso de Petrarca e Bruni o “moderno” é um retorno ao Antigo, quando nos "tempos recentes" buscam reavivar a Antiguidade.
A partir de Cristoph Cellarius(1634-1707) e outros que se seguirão vai se configurar a Idade Moderna como o período a partir de meados do século XV.

Século XVII – “Revolução” Científica:
 - Francis Bacon (1561-1626) – Empirismo, indução.
Indução: método do particular para o geral.
 - Galileu Galilei (1564-1642) – Método de medidas e experimentação.
 - René Descartes (1596-1650)- Racionalismo, dedução.
Dedução: do geral para o particular.

Método classificatório na Ciência:
Lineu (1707-1778) – Systema naturae – 1735-1759: classificação dos seres vivos.

A Ciência antes da Ciência Moderna:
Início da Filosofia:
Passagem do conhecimento de mundo legado pelos antepassados para um questionamento de o que é o mundo.
                    (mundo – natureza – physis)

Filósofos pré-socráticos: 
Perguntas sobre o mundo e sobre questões cotidianas respondidas com observações, reflexões e “experimentos”.
Tales de Mileto (625?624?-558?556? a. C.)
Tido como  o primeiro a fazer questionamentos sobre a Physis e dar respostas como, por exemplo, “a água é o elemento principal do Universo do qual derivam todas as coisas”. Tido como o primeiro que teria ido além dos ensinamentos dos antepassados procurando obter suas próprias respostas.
Também o conhecemos pelo Teorema de Tales em Matemática.

A palavra Filosofia:
Palavra atribuída a Pitágoras (580?578?-497?-496? a. C.):
“Não sou sábio. Sábio só Deus. Eu sou apenas amigo da sabedoria” (philos sophos).

Apesar dos questionamentos e busca de respostas próprias, entre os Gregos mantém-se uma convivência entre o conhecimento mítico-vivencial e o conhecimento filosófico.

Sócrates (469-399 a.C.) volta-se para o interior do ser humano, para episteme e a ética e não só o conhecimento do mundo.
Platão (428-348 a.C.) – discípulo de Sócrates - valorizava a Geometria – fundou a Academia.
Aristóteles (384-322 a.C.) – discípulo de Platão - iniciou várias áreas de Estudo:
Física – Metafísica – etc.

Algumas palavras em Conhecimento e Ciência:

A palavra Teoria: (em Platão) significa observar, sem participar, os rituais dos mistérios (de Elêusis, por exemplo).
A palavra Techné: equivalente a arte e habilidade, não exatamente a técnica.

Epistemologia:
- Estudo do Conhecimento.
- Estudo de como se dá o processo de Conhecimento.
- Parte da Filosofia que estuda a elaboração do Conhecimento.
- Conhecimento do Conhecimento.

O Conhecimento científico como o conceituamos, além da precedência da Ciência dos Gregos, pode ter se iniciado na própria Idade Média.
Por exemplo, Robert Grosseteste (1168-1253), estudioso de Oxford, fez uso da Matemática e experimentos. Foi Mestre de Roger Bacon (1214-1294).
Ambos estudaram Óptica. Inventaram lentes – óculos.
Método: “observação – hipótese – experimento”.

Fim do século XVII:
“Querelle des Anciens e des Modernes” no mundo das Artes.

Século XIX – “modernidade” (Revolução Industrial).
Século XIX - Romantismo.

Século XX – Modernismo.
Após 1950 – Pós-Moderno (Lyotard)
                  - Hipermoderno (Lipovetsky)

Movimento anticientífico (antimoderno?)
A partir do início do século XIX:
Ciência vista como ameaçadora à Natureza e à Humanidade. (Frankenstein, etc.)
Progresso como ameaça.
O homem do Renascimento não teria continuado no homem da Revolução Científica?
Romantismo: nostalgia da Idade Média.
Auguste Comte (1798-1857)
Positivismo: Leis científicas a partir de observações e fatos.
Fundador da Sociologia.
(após a Mecânica Newtoniana e durante a visão de progresso do século XIX)

1900 – Física Quântica – Max Plank.
1905 – Teoria da Relatividade de Einstein.

Primeira Guerra Mundial significou importante recorte na Cultura Ocidental.

Anos 1920 – Princípio da Incerteza de Heisenberg.

Gaston Bachelard (1884-1962)
Questiona o Positivismo de Auguste Comte, discutindo a mente que produz ciência.
Propõe uma descontinuidade na História da Ciência.
1934 – “O novo espírito científico”
1938 – “A formação da mente científica”
(distância entre senso comum e conhecimento científico) – “psicanálise”.

Georges Canguilhem (1904-1995)
1943 – “O normal e o patológico”
1952 – “O conhecimento da vida”

Karl Popper (1902-1994)
  1934 – “A Lógica da Descoberta Científica” - racionalismo crítico  - falsificabilidade
Alexander Koiré (1892-1964) 1939 – “Estudos galileanos”.

Paradigma:
       É um termo que já existia como sinônimo de “modelo”.
       Thomas S. Kuhn (1922-1996)
“A Estrutura das Revoluções Científicas” (1962-1970).
“Considero ‘paradigmas’
as realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo, fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de uma ciência”.
O paradigma funciona como um Quebra-cabeça:
-          Só se pode fazer perguntas (problemas) dentro do modelo.
-          Só se pode fornecer respostas (soluções) dentro do modelo.
Por algum tempo, o paradigma dá conta das perguntas, no período de “ciência normal”, quando se repetem os seus métodos.
       Chega um momento em que alguém começa a formular perguntas (problemas) que não cabem no quebra-cabeça (modelo).
Esse indivíduo é considerado excêntrico, louco, de competência duvidosa, “um poeta”, etc.
O conflito pode estar na linguagem e no método,
tanto da formulação do problema quanto na busca/proposta de solução.

Disciplinaridades:
Multidisciplinaridade – Está aí desde Aristóteles.
Cada área com sua linguagem e seu método.
Interdisciplinaridade – permuta de linguagens e métodos.
Transdisciplinaridade – metalinguagem e “metamétodo”.
Inclui fatores culturais.
Na transdisciplinaridade trata-se mais de “meta-método” e “meta-linguagem”, pois ela atravessa e ao mesmo tempo se coloca do lado de fora das disciplinas, pois discute e debate os métodos não em seus detalhes, mas em seus propósitos, seus objetivos, suas filosofias.
A transdisciplinaridade tem três pilares:
1 - Níveis de realidade – não-reducionismo.
Existe a tendência de reduzir-se todo o conhecimento a um único nível de realidade. Por exemplo, achar-se que a biologia molecular explica tudo; ou que tudo se reduz à Física. Na verdade, no que diz respeito ao ser humano (ou mesmo nos seres vivos), embora a biologia molecular seja muito importante, existem outros níveis de realidade que não podem ser esquecidos, o nível celular, o tecidual, o dos órgãos, dos sistemas, o clínico, mas também o social, o cultural, etc.
2- Complexidade – não-reducionismo.
Edgar Morin diz que não se deve confundir complexidade com complicação. A complexidade também é não reducionista porque em vez se ir em um sentido cada vez mais restritivo do enfoque do estudo científico, sugere que a ciência se disponha a colocar luz nos fatores deixados à priore à margem de seu escopo. 
3- Terceiro incluído – concilia paradoxos.
Na Lógica Aristotélica, que é aquela que ainda configura o nosso pensamento, existe a descrição do “terceiro excluído”. Na afirmação “Ou este homem é Sócrates, ou não é Sócrates” não há uma terceira possibilidade; seria ilógico supor alguém que fosse e não fosse Sócrates ao mesmo tempo. Já o “terceiro incluído” implica na possibilidade de aceitar um paradoxo, uma contradição, por exemplo, situando esses fatores em um outro nível de realidade onde os oponentes possam coexistir. Assim, na Física Quântica a solução do paradoxo partícula-onda se resolve na conceituação de quantum. Ou ainda um exemplo mais simples. As duas frases: “Todas as pessoas são iguais” e “Todas as pessoas são diferentes”, se contempladas em apenas um nível de realidade, podem realmente ser incompatíveis, enquanto que, se forem analisadas dentro da Complexidade, podem coexistir.