Prof. Dr. Afonso Carlos Neves
Paradigma é um termo que
significa “modelo” e que há milênios tem sido usado com esse sentido. Após a
publicação de Thomas S. Kuhn (1922-1996) intitulada “A Estrutura das Revoluções
Científicas” (1962- posfácio de 1970), a palavra “paradigma”, inicialmente
restrita ao contexto científico, aos poucos passou a ser usada nos mais
diversos contextos, com um significado similar ao estabelecido por Kuhn.
Thomas Kuhn era físico por
formação. A partir de seu contato com o ambiente de Ciências Humanas ficou
intrigado com as diferenças de métodos entre essa área e as Ciências Exatas, de
modo que passou a se interessar em aprofundar estudos a respeito de História da
Ciência. Com esse estudo, concluiu que os processos históricos em Ciência não
ocorrem por uma mera cumulação de inventos e descobertas, mas antes por uma
sucessão de paradigmas, sucessão essa que pode tomar um caráter
“revolucionário” no sentido da mudança carregada por isso.
Assim Kuhn expressa seu conceito
de paradigma científico:
“Considero paradigmas as
realizações científicas universalmente reconhecidas que, durante algum tempo,
fornecem problemas e soluções modelares para uma comunidade de praticantes de
uma ciência”.
Observamos que os paradigmas são
limitados a um determinado tempo e a uma determinada comunidade de praticantes
de uma ciência. Devemos assinalar o aspecto do paradigma não fornecer apenas
soluções dentro de um modelo, mas também fornecer os problemas. Assim, só é
possível “enxergar” o problema, “detectar” o problema sob as condições impostas
pelo paradigma. Sem essas condições, pode-se dizer que tal problema “não
existe”.
Kuhn compara o paradigma a um
jogo de quebra-cabeça: só são colocadas no quebra-cabeça as peças já
pré-determinadas para ele. Uma peça diferente será prontamente rejeitada, antes
de se tentar “encaixar” entre as outras.
Assim também o paradigma ou
modelo científico. Só se pode fazer perguntas (problemas) dentro do
modelo. Só se pode fornecer respostas (soluções) dentro do modelo.
Por algum tempo, o paradigma dá
conta das perguntas. Kuhn chama esse período de um período de “ciência
normal”. Nessa fase, apenas se repetem os métodos determinados pelo
paradigma. Não há questionamentos.
Mas chega certo momento em que
alguém começa a formular perguntas (problemas) que não cabem no
quebra-cabeça (modelo). Chega um momento em que o paradigma já não é capaz de
responder a todas as perguntas que começam a aparecer ao redor de seu domínio.
O indivíduo que lança tais
questionamentos passa a ser considerado excêntrico, louco, de competência
duvidosa, “um poeta”, etc.
Surgem conflitos internos ao
paradigma que podem estar situados na linguagem ou nos métodos
que até então consagraram o paradigma e ao mesmo tempo foram reforçados por
ele. O conflito pode ser visível tanto na formulação de problemas quanto na
busca/proposta de solução.
Doutrinas e paradigmas
Cada doutrina pode ter um
paradigma central além de outros paradigmas associados que compõem a estrutura
geral da doutrina científica.
Esses diversos paradigmas podem
estar interrelacionados com os paradigmas de outras doutrinas. Por sua vez, as
doutrinas configuram disciplinas científicas.
Assim, esses diversos elementos compõem
uma rede complexa que abrange os variados campos de Conhecimento e
Ciência.
Embora Thomas Kuhn tenha
construído sua teoria principalmente sobre Ciências Exatas, podemos estender
seu modelo epistemológico às Ciências Biológicas.
Nem sempre o estudioso que ficou
consagrado pelo novo paradigma foi o primeiro a aventar tal hipótese.
Um exemplo disso pode ser a
conceituação de Hipócrates (460-370 a.C) a respeito do cérebro ser responsável
por todas as manifestações mentais e neurológicas em seu texto sobre “a doença
sagrada”.
Essa conceituação já havia sido
precedida pelo médico pitagórico Alcmeon tempos antes.
No entanto, todos a ligam a
Hipócrates, seja por sua forte marca na história da medicina, seja por ter
vivido no auge da Cultura Grega, um momento propício à consolidação de figuras
como ele. Talvez possamos dizer que Hipócrates estava no Zeitgeist
(espírito do tempo) desse momento.
Ignaz Semmelweis (1818-1865) foi
o médico austríaco que percebeu uma associação entre a infecção puerperal e a
falta de higiene de seus alunos de medicina. Mas sua tentativa de instaurar
novos procedimentos na faculdade foi bastante criticada e rejeitada. O
paradigma vigente não permitia essa inovação. Semmelweis desafiou as normas de
então e não foi bem aceito.
Diferentemente de Semmelweis,
Joseph Lister (1827-1912) consagrou-se pela prática da antissepsia.
A teoria microbiana das doenças a
partir de Louis Pasteur (1822-1895) tornou-se consagrada de tal forma que se
queria encontrar micróbios responsáveis por toda e qualquer doença. É um
exemplo de um paradigma que se instalou com grande força nesse momento. Outros
estudiosos precederam Pasteur nessas ideias, mas ele estava no Zeitgeist
desse momento.
Em geral os paradigmas
científicos não se instalam sozinhos. Habitualmente há condições sociais,
culturais, políticas, econômicas e outras favoráveis à aceitação de um novo
paradigma.
Em torno de 1982, os
pesquisadores Barry J. Marshall e J. Robin Warren descobriram o Helicobacter pylori
como provável causa de gastrite e úlcera gástrica. Isso ia contra vários
paradigmas. Um deles dizia respeito à causa da gastrite ser atribuída
principalmente a stress e a certos alimentos, temperos, etc. Outro paradigma
dizia respeito à dificuldade da existência de microorganismo em ambiente ácido
com o do estômago. Assim, tal proposta seria um novo paradigma que não foi bem
aceito inicialmente. Um dos dois pesquisadores chegou a infectar-se com o
Helicobacter para comprovar sua hipótese. Em 2005 ambos ganharam o Prêmio Nobel
por sua descoberta.
A proposta do príon como uma nova
forma patogênica por Stanley Prusiner em 1982 também foi desafiadora e
constituiu um novo paradigma na medida em que admitia a possibilidade de
proteínas patológicas se multiplicarem e “infectarem”. Em 1997 Prusiner ganhou
o Prêmio Nobel, após a comunidade internacional alarmar-se com uma epidemia de
casos de Doença da Vaca Louca e a comunidade científica aceitar esse novo
paradigma.
E o que dizer-se de “pseudo – paradigmas”?
Na área da saúde pode-se dizer
que podem equivaler a doenças ou tratamentos “da moda”.
Assim, por exemplo, há alguns
anos a dislexia foi bastante comentada e passou a ser muito freqüentemente
suposta. Mas a autora e fonoaudióloga Giselle Massi questiona a doença dislexia
em crianças em diversos casos nos quais acha que pode ser apenas uma forma
diferente de aquisição da escrita.(livro “A dislexia em questão” de Giselle
Massi ).
Outro caso: grande parte de
idosos com alterações cognitivas passou a ser diagnosticado como Doença de
Alzheimer. No entanto, sabe-se que diversas moléstias podem ter quadro semelhante,
o que inclui outras formas de demência, ou mesmo um comprometimento de uma
função cognitiva.
Outro caso: Hiperatividade em
criança. Qualquer criança mais inquieta passou a ter esse diagnóstico e fazer
tratamento para isso. Essa “hiperdiagnose” tem sido bastante reforçada por
informações provenientes da mídia em geral.
Complexidade
Como diz Edgard Morin
complexidade é diferente de complicação.
Ela se opõe ao reducionismo, é
desigual e incerta (não linear), contempla a organização do ser vivo em vários
níveis. Mantém abertas as possibilidades de várias causas poderem estar ligadas
a vários efeitos.
Complexidade e método
Edgar Morin recusa uma teoria
unitária do Conhecimento por achá-la simplificadora e que esconde as
dificuldades do saber, na medida em que faz recortes para se configurar.
Ele comenta que hoje se precisa de um método que, em vez de esconder,
detecte as ligações, as imbricações. Assim, deve-se olhar para as
ligações e não apenas para os objetos.
Deve-se extinguir as falsas transparências do que é obscuro.
Complexidade e Sistemas: o ser
vivo é um sistema, mas não pode ser reduzido ao sistêmico. Assim, a
teoria dos sistemas ganha vida quando contempla os vínculos.
Não há ser ou coisa isolada, seja em relação ao meio
ou em relação a outros seres.
Eventualmente pode-se perguntar qual
a praticidade da Complexidade na área da saúde.
Nós a usamos frequentemente quando se diz que:
- Cada paciente é um paciente.
- Cada caso é um caso.
- Cada pessoa é uma pessoa.
Alguém pode dizer que isso é óbvio.
No entanto, a Complexidade
resgata o “óbvio” e mostra que ele também é necessário na rede do
Conhecimento.
Paradigmas e disciplinas:
Além da sucessão no tempo dos
paradigmas, há também a concomitância de paradigmas em nível multidisciplinar
e nível interdisciplinar.
A complexidade
transversaliza esses diversos níveis, aceita paradigmas concomitantes.
Assim, a complexidade remete-se ao nível transdisciplinar.
Paradigma – Complexidade:
As noções de paradigma acabaram
sendo aplicadas a outros contextos além do especificamente científico. Tal
extensão do conceito insere a própria noção de paradigma na noção de
complexidade.
Assim, em relação à Complexidade podemos usar a citação:
“Todos os conceitos, nos quais se
reúne semióticamente um processo inteiro,escapam à definição: definível é
somente aquilo que não tem história” Nietzsche (1887).