sexta-feira, 12 de março de 2021

Medicina Narrativa e Interdisciplinaridade

 

Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

 

     Um assunto que é repetido nas primeiras aulas sobre Medicina Narrativa é o fato dela ser um campo, uma atividade interdisciplinar. Nesse sentido, queremos explicar um pouco o que significa Interdisciplinaridade, pelo menos da maneira como usamos esse termo.

     A escrita sobre “disciplinaridades” começou no século XX, após a Primeira Guerra Mundial, na Inglaterra, em cujas universidades o estudo da Língua Inglesa e da Literatura Inglesa foi considerado como uma atividade “interdisciplinar” entre os variados cursos.

     Embora as “disciplinas” existam desde a antiga Grécia, o uso dessa palavra “disciplina” como se referindo a uma área do conhecimento   começa no século XX. Antes disso, se referia mais frequentemente ao sentido de ordem, hierarquia, seguir normas. No transcorrer do século XX, as antigas “cátedras” foram se tornando “disciplinas”.

     Após a Segunda Guerra Mundial, mudanças começam a acontecer no campo da Educação, entre elas a popularização do estudo em universidades, antes restrito. Gradativamente também aconteceu a passagem de Cátedras, onde o Professor Catedrático era um Chefe vitalício, para um sistema de “disciplinas” com chefia rotatória. Deve-se salientar que o nome em português “disciplina” para área do conhecimento nem sempre tem tradução próxima em outras línguas. Em inglês, por exemplo, é mais usado “Department” em vez de “disciplina”.

     Também após a Segunda Guerra Mundial começou-se a pensar a respeito da Educação de maneira epistemológica, buscando trazer para a contemporaneidade os modelos de ensino/aprendizado tradicionais. Os grupos que passaram a estudar esses fatores começaram a usar as palavras “multidisciplinar” e “interdisciplinar”. Em 1970, Jean Piaget lançou o termo “transdisciplinaridade”.

     De um modo geral, a palavra “multidisciplinaridade” é usada para descrever o modelo mais tradicional de ensino, onde uma pessoa que estuda no segundo grau sai, por exemplo, de uma aula de Matemática e vai para uma aula de Geografia; depois vai para uma aula de Português, e assim por diante. De modo semelhante, no curso universitário. Portanto, existe a convivência de várias áreas do conhecimento, mas com certa distância, cada área com sua linguagem e seu método. Com suas próprias barreiras e regras que ajudam a definir cada “disciplina”.

     No campo profissional, vale ressaltar que se pode encontrar uma atividade “multiprofissional”, que pode ser tanto “multidisciplinar” como “interdisciplinar”. Daqui a pouco vamos entender mais sobre isso.

     Eventualmente, temos a “unidisciplinaridade” em um local ou setor em que aconteça apenas uma única área do conhecimento. A maioria dos cursos universitários é bastante multidisciplinar, às vezes interdisciplinar. A unidisciplinaridade pode haver em uma atividade muito restrita fora da universidade.

     Portanto, a convivência “multidisciplinar” é bastante comum nas escolas e faculdades em geral.

     Na “Interdisciplinaridade”, passa a acontecer uma troca de informações entre diferentes áreas do conhecimento, de modo que passa a haver um compartilhamento de linguagens e de métodos, eventualmente se adota a mesma linguagem e o mesmo método em algumas situações.

     Na “multidisciplinaridade” existe de maneira mais forte a identificação de grupo, de profissão, de habilidades práticas próprias de um campo do conhecimento. Nesse âmbito, preserva-se a noção de “identidade profissional” e de identificação com os seus pares.

     Na “interdisciplinaridade” já os diferentes grupos passam a aceitar “correr o risco” de abrir suas fronteiras para outras áreas. Mas isso deve acontecer sem a perda da identidade da disciplina, pois como disse Moran “não há interdisciplinaridade sem disciplinas”. Nem a interdisciplinaridade e nem a “transdisciplinaridade” visam o fim das disciplinas. Como diz Edgar Morin, uma das maiores autoridades em transdisciplinaridade, tanto multi, como inter e como transdisciplinaridade têm suas áreas de atuação.

     Quando se tem alguém extremamente especializado em um determinado item, por exemplo, da Oftalmologia, de modo que essa pessoa seja uma das poucas capazes de fazer um determinado procedimento, esse é uma campo que se enquadra dentro da multidisciplinaridade. Eventualmente, esse profissional pode resolver fazer algum tipo de trabalho, prático ou de pesquisa, onde ele envolva pessoas de áreas de Ciências Humanas, ou ainda da área de Medicina Preventiva, onde haja necessidade de que todos possam entender sua diferentes linguagens, ou ainda que todos entendam do que se trata a temática em questão, ou ainda que usem métodos que possam ser comuns entre as partes. Pode ser que se inicie aí um trabalho “interdisciplinar”. Se todas essas pessoas estiverem trabalhando juntas, mas ficarem cada uma na sua área, aí será um trabalho “multidisciplinar”. Nesses dois exemplos, os trabalhos são “multiprofissionais”, mas no primeiro é interdisciplinar e no segundo é multidisciplinar.

     A Medicina Narrativa é interdisciplinar. Ela envolve diferentes áreas do conhecimento, fazendo com que diferentes disciplinas procurem trocar linguagem, conhecimento e prática, na medida em que tenha nas diferentes linguagens um campo comum em que essas áreas tenham que transitar.

     Depois poderemos falar de transdisciplinaridade, que também pode ser vista no canal do youtube de Afonso Carlos Neves Neuro.  

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