Nesta discussão sobre a interface entre os Estudos
Neurológicos e os Estudos sobre Narrativa e Discurso, um primeiro aspecto a ser
abordado é a designação que usamos em português para o termo “história”. Há
décadas atrás a língua portuguesa tinha estabelecido 2 formas: “história” e “estória”,
de modo similar aos termos em inglês “history” e “story”. “História” dizia
respeito à narrativa de fatos, acontecimentos, ou ao supostamente real, ou
ainda à ciência histórica. Já “estória” dizia respeito, em geral, a uma
narrativa como “começo, meio e fim”, muitas vezes como ficção, mas não
necessariamente. Estória com fatos reais, com começo, meio e fim, também pode
ser mais “estória” do que “história”, embora possa conter fatos históricos.
Podemos dizer
então assim “estória” é uma narrativa com começo, meio e fim, sendo fatos
supostamente reais ou não. História é a área de estudo assim designada, ou
ainda a história clínica convencional.
Há décadas, foi
determinado que na língua portuguesa (pelo menos do Brasil) não se usaria mais
o termo “estória” e apenas “história” para as diversas condições.
Ao estudamos
Narrativa e Discurso, parece-nos que isso é uma perda. Consideramos necessário,
mesmo que usando em itálico ou entre aspas, o uso do termo “estória” para as
narrativas de começo, meio e fim.
Toda “estória” é
uma narrativa. Nem toda narrativa é “estória”.
Podemos fazer uma
narrativa “histórica” com uma sucessão de dados históricos, a respeito de um
assunto específico. Essa narrativa pode ter uma sequência lógica, mas não
necessariamente tem “começo, meio e fim” como nas “estórias”.
Podemos ler um
livro sobre “história” que tenha uma descrição “histórica” de supostos eventos.
Também podemos ler uma “estória” sobre esses mesmos eventos, mas que seja no
modelo comumente chamado de “romanceado”, com começo, meio e fim.
Conforme Prince
(1987), “narrativa” é o recontar de um ou mais eventos reais ou fictícios
comunicados por um ou mais narradores a um ou mais ouvintes.
Dentro da
Narrativa, um aspecto principal é a “intriga” ou “trama”: é a linha dos
incidentes principais que constituem a estrurua caracterizável pelo arco
dramático de Aristóteles ou pela pirâmide de Freytag.
Em “A Arte Poética”,
Aristóteles (384-322 a.C.) delineia o primeiro estudo a respeito de narrativa.
Uma frase importante dessa obra é “A tragédia é a imitação de uma ação”. Essa
colocação de Aristóteles implica também na arte de interpretação teatral da
narrativa. Aristóteles nomeia as partes da narrativa interpretada como seis:
fábula, caracteres, elocução, pensamento, espetáculo, canto.
Já, no século XIX,
o alemão Gustav Freitag (1816-1895), em “A técnica do Drama” estabelece no que
é chamado de a Pirâmide de Freitag, uma forma de designar o “começo, meio e fim”
da narrativa, com as partes: Exposição, incidente incitador, ação em progresso,
complicação, clímax, reversão, redução da ação, resolução, desfecho. Dispostos
em sequência ascendente e descendente, tem-se o clímax no ponto mais alto desse
gráfico.
Em Narratologia,
considera-se ainda que:
Texto – são as palavras e interrupções gráficas que
compõem o texto.
Discurso – o texto conduzido pelo
comunicador do texto.
Fábula – situações e eventos em
ordem cronológica na narrativa.
Ator – é aquele que muda “o estado
do mundo” na narrativa.
Ato – “estado do mundo” modificado
pelo ator.
“Acontecimento/ocorrência” – mudança
no “estado do mundo” não trazido por ator.
Personagem – ator antropomórfico.
Coerência da intriga/trama – é a
percepção de que os eventos principais de uma estória
são causalmente relevantes para o
resultado da estória.
Credibilidade da personagem – percepção
de que os eventos da estória são
razoavelmente motivados por crenças,
desejos e metas dos personagens dos eventos.
Alguém pode questionar sobre o que tem a ver esses aspectos de narratologia
com a atividade médica. Há várias explicações: uma é a recuperação do valor da
anamnese; outra é que o paciente tem sua história clínica, mas tem também suas “estórias”,
que podem conter fatores associados ao seu quadro, e podem esclarecer diversas
situações clínicas. Assim, estórias dos próprios pacientes, por vezes,
esclarecem aspectos da história clínica. Além disso, o exercício com narrativas pode melhorar o trabalho do médico, além de poderem melhorar neurologicamente e psicologicamente médico e paciente.
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