domingo, 8 de outubro de 2017

Neuro-Narrativa e Neuro-Discurso: resumo da primeira aula. Parte 1


Nesta discussão sobre a interface entre os Estudos Neurológicos e os Estudos sobre Narrativa e Discurso, um primeiro aspecto a ser abordado é a designação que usamos em português para o termo “história”. Há décadas atrás a língua portuguesa tinha estabelecido 2 formas: “história” e “estória”, de modo similar aos termos em inglês “history” e “story”. “História” dizia respeito à narrativa de fatos, acontecimentos, ou ao supostamente real, ou ainda à ciência histórica. Já “estória” dizia respeito, em geral, a uma narrativa como “começo, meio e fim”, muitas vezes como ficção, mas não necessariamente. Estória com fatos reais, com começo, meio e fim, também pode ser mais “estória” do que “história”, embora possa conter fatos históricos.
     Podemos dizer então assim “estória” é uma narrativa com começo, meio e fim, sendo fatos supostamente reais ou não. História é a área de estudo assim designada, ou ainda a história clínica convencional.
     Há décadas, foi determinado que na língua portuguesa (pelo menos do Brasil) não se usaria mais o termo “estória” e apenas “história” para as diversas condições.
     Ao estudamos Narrativa e Discurso, parece-nos que isso é uma perda. Consideramos necessário, mesmo que usando em itálico ou entre aspas, o uso do termo “estória” para as narrativas de começo, meio e fim.
     Toda “estória” é uma narrativa. Nem toda narrativa é “estória”.
     Podemos fazer uma narrativa “histórica” com uma sucessão de dados históricos, a respeito de um assunto específico. Essa narrativa pode ter uma sequência lógica, mas não necessariamente tem “começo, meio e fim” como nas “estórias”.
     Podemos ler um livro sobre “história” que tenha uma descrição “histórica” de supostos eventos. Também podemos ler uma “estória” sobre esses mesmos eventos, mas que seja no modelo comumente chamado de “romanceado”, com começo, meio e fim.
     Conforme Prince (1987), “narrativa” é o recontar de um ou mais eventos reais ou fictícios comunicados por um ou mais narradores a um ou mais ouvintes.
     Dentro da Narrativa, um aspecto principal é a “intriga” ou “trama”: é a linha dos incidentes principais que constituem a estrurua caracterizável pelo arco dramático de Aristóteles ou pela pirâmide de Freytag.
     Em “A Arte Poética”, Aristóteles (384-322 a.C.) delineia o primeiro estudo a respeito de narrativa. Uma frase importante dessa obra é “A tragédia é a imitação de uma ação”. Essa colocação de Aristóteles implica também na arte de interpretação teatral da narrativa. Aristóteles nomeia as partes da narrativa interpretada como seis: fábula, caracteres, elocução, pensamento, espetáculo, canto.
     Já, no século XIX, o alemão Gustav Freitag (1816-1895), em “A técnica do Drama” estabelece no que é chamado de a Pirâmide de Freitag, uma forma de designar o “começo, meio e fim” da narrativa, com as partes: Exposição, incidente incitador, ação em progresso, complicação, clímax, reversão, redução da ação, resolução, desfecho. Dispostos em sequência ascendente e descendente, tem-se o clímax no ponto mais alto desse gráfico.
     Em Narratologia, considera-se ainda que:
Texto –  são as palavras e interrupções gráficas que compõem o texto.
Discurso – o texto conduzido pelo comunicador do texto.
Fábula – situações e eventos em ordem cronológica na narrativa.
Ator – é aquele que muda “o estado do mundo” na narrativa.
Ato – “estado do mundo” modificado pelo ator.
“Acontecimento/ocorrência” – mudança no “estado do mundo” não trazido por ator.
Personagem – ator antropomórfico.
Coerência da intriga/trama – é a percepção de que os eventos principais de uma estória
são causalmente relevantes para o resultado da estória.
Credibilidade da personagem – percepção de que os eventos da estória são
razoavelmente motivados por crenças, desejos e metas dos personagens dos eventos.
     Alguém pode questionar sobre o que tem a ver esses aspectos de narratologia com a atividade médica. Há várias explicações: uma é a recuperação do valor da anamnese; outra é que o paciente tem sua história clínica, mas tem também suas “estórias”, que podem conter fatores associados ao seu quadro, e podem esclarecer diversas situações clínicas. Assim, estórias dos próprios pacientes, por vezes, esclarecem aspectos da história clínica. Além disso, o exercício com narrativas pode melhorar o trabalho do médico, além de poderem melhorar neurologicamente e psicologicamente médico e paciente. 


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