quinta-feira, 1 de junho de 2017

Parte 2 da aula 1: Curso "Medicina Narrativa: processo interdisciplinar no cuidado à saúde"


Conforme a Profa. Dra. Rita Charon, da Universidade de Columbia, a Medicina Narrativa é uma medicina praticada com competência narrativa para reconhecer, absorver, interpretar e ser tocado pelas histórias (estórias) de doenças (e de doentes).
A Medicina Narrativa busca:
-          Aumentar a capacidade de percepção clínica.
-          Levar a um cuidado mais humano, mais ético e mais efetivo.
A Medicina Narrativa provém dos seguintes campos:
- Humanidades e Medicina
- Cuidados Primários em Medicina
- Narratologia contemporânea (que é o estudo de estruturas e de elementos das narrativas)
- Estudos de relação médico-paciente.
- Literatura e Medicina
- Cuidado centrado no vínculo indivíduo/comunidade/profissional da saúde
O estudo da Medicina diz respeito ao estudo do ser humano. Tudo o que se estuda em Medicina, e além dela, vai, gradativamente, configurando o que se entende por “ser humano”.
Profissionais da saúde precisam de meios para:
-          Singularizar o cuidado ao paciente
-          Reconhecer/perceber a ética profissional e os deveres pessoais ao doente
-          Produzir “correlações terapêuticas” com pacientes, entre profissionais e com o público.
Hoje em dia, a falta de singularidade, humildade, responsabilidade, empatia pode ser provida, em parte, pela Medicina Narrativa.
A atividade da medicina narrativa é compatível com uma prática multiprofissional.
O que é multiprofissional pode ser multidisciplinar ou interdisciplinar. Cada um desses conceitos tem suas particularidades e tem suas intersecções.
Multidisciplinaridade: é o que já está presente desde Aristóteles. Corresponde a cada área do Conhecimento com sua linguagem e seu método.
Interdisciplinaridade: permite uma permuta de linguagens e de métodos, ou ainda a adoção da mesma linguagem e método por diferentes campos do Conhecimento.
Transdisciplinaridade: diz respeito mais a uma “metalinguagem” e “metamétodos”, ou seja, transversaliza diferentes campos do Conhecimento, mas ao mesmo tempo sem o tipo de envolvimento da interdisciplinaridade, já que aborda “linguagem e método” do “lado de fora”, ou seja sem submeter-se às condições e normas de linguagem e método dos campos. A transdisciplinaridade também inclui “culturalidade”, ou seja, admite no processo de Conhecimento as variáveis culturais. Também a transdisciplinaridade, por suas características, concilia paradoxos.
São 3 os pilares da transdisciplinaridade:
1 –Níveis de Realidade.
Deve-se admitir que a abordagem do Real pode acontecer em diferentes níveis de realidade, de modo que em cada nível há condições próprias. Não se pode reduzir todo o fenômeno a apenas um nível de realidade. Assim, este pilar também propõe uma atitude de “anti-reducionismo”. Se, por exemplo, levarmos para o âmbito do ser humano, podemos ver que “ser humano” não se reduz ao nível da realidade biológica, mas há outros níveis de realidade, como cultural, social, entre outros, que vão compor a realidade do indivíduo.
2 – Complexidade.
A Complexidade também é anti-reducionista.
Uma forma de entender a complexidade é a frase:      
“O todo é mais do que a soma das partes”.  Assim, mesmo que se juntem todas as partes não se tem um todo. Isso porque o todo implica em alguma coisa a mais do que apenas se ter as partes. Passa a estar presente também o vínculo entre as partes, os fatores que unem as partes, a energia, os desdobramentos provenientes da existência desse todo que articula essas partes.                  
3 – Terceiro incluído.
O terceiro incluído segue uma lógica diferente do “terceiro excluído”. Neste, em uma configuração lógica onde A e B não se correlacionam, o terceiro excluído corresponde a um não-A e não-B.
Já no terceiro incluído não-A e não-B pode implicar em um C que possa harmonizar não-A e não-B em convivência simultânea. Os autores dão como exemplo dessa situação a conceituação física quântica de “quanta”. Isso acaba resolvendo a dicotomia entre as possibilidades de um fóton ser partícula ou de ser onda. No quanta essas duas possibilidades convivem em um nível de realidade acima de ambos. Assim admite paradoxos. Vai além dos pares de opostos.
Como uma espécie de quarto pilar temos a culturalidade já citada.
A Medicina Narrativa é:
-          Um reforço à anamnese tradicional
-          Uma recuperação do valor dessa anamnese no século 21.
-          Educa uma escuta focada e o olho clínico que direcionam as decisões baseadas em evidência.
Protocolos médicos são boas ferramentas em mãos de quem raciocina a respeito de sua aplicação, adapta-os à singularidade do paciente e de sua cultura.
Isso é possível a partir de uma boa anamnese, e do exercício narrativo.
A Medicina Narrativa pode aprimorar no profissional de saúde a percepção de quando e quanto deve acrescentar de dados à anamnese, permitindo conhecer aspectos da vida do paciente que podem interferir no processo saúde/doença, e usualmente passam despercebidos. 

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