Na pré-história, no Período
Paleolítico, já havia uma “divisão de trabalho”, para usar uma conceituação de
Durkheim. Essa divisão era de padrão “caçador-coletor”, de modo que, o homem
desempenhava a função de caçador e a mulher de coletora de frutos e ervas. Esse
talvez seja o formato mais antigo de uma espécie de “especialidade” laboral
entre os seres humanos.
Há que se lembrar também que
essa, assim dita, “divisão de trabalho”, acompanhava uma tendência natural do
ser humano de “focar”, “concentrar-se” em certas tarefas diárias. Deve ser
frisado que o ato de “focar a atenção” se faz presente também em outras
espécies animais, em suas atividades de ataque, defesa, etc. Assim, como uma
capacidade herdada pela evolução, os seres humanos têm a necessidade de que a
função básica de “atenção” esteja em boas condições para que as “funções
cognitivas” possam estar ativas e em condições de promoverem o aprendizado e,
desse modo, também serem aprimoradas.
Expusemos esse preâmbulo para dar
a entender que é, de certa forma, uma tendência natural ao ser humano a busca
de “recortar uma parte do todo”, de focar sua atenção em uma determinada
subdivisão das coisas com as quais trabalha, para que possa efetivar uma
conclusão de suas reflexões, ou respostas a suas perguntas, ou solução a seus
problemas, ou ainda um resultado prático de suas atividades produtivas.
Essas argumentações dizem
respeito a entender-se que a “multidisciplinaridade” acompanha uma tendência
natural do ser humano de dividir suas tarefas com o objetivo de otimizá-las.
O discurso sobre “multi, inter e
transdisciplinaridade” é próprio da segunda metade do século XX. Quando olhamos
para um período anterior a este e usamos tais termos, nós estamos fazendo uma
determinada leitura do passado com a nossa própria linguagem.
Ao nos referirmos a “disciplina”
aqui, estamos falando de uma área específica do Conhecimento e não
necessariamente de uma “Disciplina” com “D” maiúsculo escrita sobre a porta de
certas divisões ou departamentos universitários. Eventualmente pode
corresponder às duas coisas concomitantemente.
Multidisciplinaridade: é o termo
usado para se referir a várias disciplinas que coexistem próximas, trabalham
lado a lado, mas ficam cada uma com sua linguagem e seus métodos. A troca de
informações entre as áreas é limitada. De certa forma, esse modelo está vigente
desde Aristóteles, com algumas variações.
Interdisciplinaridade: neste caso
pode existir uma linguagem comum entre as disciplinas, ou ainda o entendimento
mútuo das linguagens, e existe ainda alguma permuta de métodos, ou a adoção dos
mesmos métodos.
Transdisciplinaridade: trabalha
mais com o que podemos chamar de “metalinguagem” e “metamétodos”. Inclui
fatores culturais em sua abordagem das disciplinas.
Alguns autores que estudaram e
estudam essas questões são:
Jean Piaget – esteve entre os que
primeiro procuraram sistematizar estudos a esse respeito nos anos 1960-1970. Em
1970 lançou o termo “transdisciplinaridade”.
Julie Thompson Klein – publicou
diversos livros sobre disciplinaridades, principalmente sobre o termo
“interdisciplinaridade”.
Joe Moran – fez um estudo sobre
interdisciplinaridade onde aponta a origem desse termo nos anos 1920.
Edgar Morin – considerado como um
dos principais autores sobre Transdisciplinaridade e sobre Pensamento Complexo.
Basarab Nicolaescu – juntamente
com Morin assinou o Manifesto da Transdisciplinaridade em 1994.
Vamos nos deter um pouco sobre a
palavra “disciplina”.
Disciplina vem do latim discipulus
que é um termo equivalente a “aprendiz”.
Outras palavras semelhantes são:
- discere – aprender
- doscere – ensinar
- ducare - conduzir
- (ex-ducare) –
(conduzir para fora) educar
-
ducere – conduzir pelo exemplo
Vemos assim que a palavra
disciplina está mais ligada ao indivíduo que aprende do que ao indivíduo que
ensina. Também talvez a função do mestre não seja só educar (ex-ducere), mas
também “eduzir” (ex-ducere – conduzir pelo exemplo).
Disciplina também é uma palavra
que se refere ao estabelecimento de limites, indicando o que se deve e o que
não se deve aprender (talvez mais do que o que se deve ou não ensinar).
Por muitos séculos, o sentido de
área do conhecimento foi preenchido pela palavra Cathedra, ou seja “Cadeira”,
referindo-se mais à figura de comando das escolas das catedrais, que, por sua
vez, também tinham esse nome em relação à mesma cadeira da autoridade
eclesiástica que comandava essas igrejas; daí veio o termo “professor
catedrático. Nesse sentido, a cátedra diz respeito à atividade de doscere
(ensinar) ou de ducare (conduzir), ou das duas coisas...
Várias disciplinas foram criadas
a partir de doutrinas de pensamento. O termo “doutrina” tem correlação com a
palavra “doutor” e provém das universidades do período medieval, quando haviam
defesas de “teses”, a partir de hipóteses formuladas. Aqueles que tinham suas
teses aprovadas tornavam-se doutores e daí, eventualmente elaboravam doutrinas
de conhecimento.
A proximidade de certas doutrinas
deu origem a disciplinas também próximas que se organizaram, em geral em torno
de temas comuns entre elas. Essa proximidade pode ser dentro de uma estrutura
multidisciplinar ou interdisciplinar.
As doutrinas das disciplinas têm
suas teorias e práticas.
A palavra grega theoria
significava inicialmente, no tempo de Platão, “observação passiva dos ritos
mistéricos”, como, por exemplo, dos Mistérios de Elêusis, uma variante das
crenças dos antigos gregos, de celebração reservada, aberta a poucas pessoas.
Com o passar do tempo, “teoria” assumiu o sentido de Conhecimento não-prático.
Mas, como sugere Fourez, não há teoria sem prática e nem prática sem teoria. No
entanto, teoria e prática assumiram certo sentido de antônimos.
A palavra grega techné tinha
o sentido de “arte”. Sentido esse bastante amplo, abarcando não apenas o que se
considera hoje como arte, de modo que incluía também a noção de “habilidade”.
Aos poucos techné transformou-se em “técnica”, no sentido de regras
relativas à produção de materiais diversos, afastando-se do sentido amplo de
“arte”.
Cada doutrina de Conhecimento tem
seus postulados, axiomas, paradigmas. Os postulados e axiomas são princípios
primeiros sobre os quais sem embasa toda a disciplina; eles não necessariamente
foram submetidos a métodos científicos de análise, mas constituem elementos
fundamentais sobre os quais a linguagem da doutrina se estabelece. A palavra
“paradigma” significa “modelo” em grego e se refere aos modelos vigentes em
determinados período sobre os quais se constroi uma doutrina e uma disciplina.
Eventualmente esses axiomas, postulados, paradigmas assumem um caráter de
“dogma”, como por exemplo no assim chamado “dogma central da Biologia”
referente ao modelo de produção de proteínas a partir de DNA-RNA. Embora a
palavra “dogma” seja habitualmente asociada a religião, neste caso o seu uso
traz à tona certo caráter de “crença” que pode acompanhar o Conhecimento ou a
Ciência.
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