Prof. Dr. Afonso Carlos Neves
O título deste trabalho no plural
já indica que consideramos a possibilidade de “vários conhecimentos e várias
ciências” e, portanto, não apenas uma única forma de apreensão e compreensão de
si e do mundo.
Consideramos a LINGUAGEM como um
precedente essencial e geral a todas as formas de Conhecimentos e Ciências.
A Linguagem constitui-se na
ferramenta básica do exercício e construção dos Conhecimentos e Ciências.
Constitui também a ferramenta do
exercício da Epistemologia, que é o ESTUDO dos Conhecimentos e Ciências.
E, evidentemente, também
constitui a ferramenta de construção desta exposição que agora estamos fazendo.
Nesse sentido, acrescentamos a
reflexão: a FORMA expressa o CONTEÚDO?
Ou seja, aquilo que se pretende
estudar, conhecer, demonstrar, é devidamente entendido e explicado pela forma
adotada? O conteúdo é dependente ou independente da forma adotada?
Lembrando que a linguagem não é
apenas verbal, mas também visual, gestual, auditiva, sensitiva, etc.,o quanto
todas essas formas de comunicação expressam o conteúdo daquilo que pretendem
comunicar?
Esse questionamento lembra que a
linguagem também pode ser obstáculo para expressar o conteúdo. No entanto, não
há como escapar da linguagem.
Ao surgirem as primeiras
comunidades de Homo sapiens, juntamente com o surgimento da linguagem
surgiu também a Cultura.
Usamos aqui a palavra Cultura não
como significando aquilo que é adquirido com o acúmulo de informações e
conhecimento, embora não neguemos o emprego deste termo nessas situações.
Aqui usamos a palavra Cultura
como significando aquilo que resultou da convivência comunitária de seres
humanos que fizeram uso da linguagem (entendida como um atributo humano). Ou
seja, a espécie humana e as outras espécies animais têm como necessidades
básicas o “comer, beber, dormir, procriar”. No entanto, para os seres humanos,
“comer, beber, dormir, procriar” sempre implica em alguma coisa a mais que se
insere na “Cultura”.
Entre tais atividades culturais
estão as diversas formas de procedimentos “ritualísticos” que acompanham essas
atividades. Esses processos tornaram-se mais complexos na medida em que os
seres humanos passaram a ter várias reflexões, sentimentos e emoções sobre si
mesmo, sobre os outros e sobre o mundo, adquirindo noções que “transcenderam”
às atividades vitais corriqueiras.
Podemos dizer que, provavelmente,
ser humano, linguagem e cultura surgiram juntos. Assim também “o conhecer”.
Talvez as primeiras formas de “conhecer” tenham ocorrido a partir de duas
ferramentas: a capacidade de comparação e a memória. A capacidade de fazer
comparações, aproximando ou distanciando as coisas observadas, levou a
sucessivas “associações” que só foram possíveis de constituírem “Conhecimento”
a partir da possibilidade de serem “memorizadas”.
.Podemos entender o “Conhecer”
como: entender, compreender, saber, interpretar, “re-conhecer”. Cada um desses
sinônimos de “conhecer”, pode indicar diversas formas e processos de
Conhecimento que não apenas o estritamente científico, que tem hegemonia nos
tempos atuais.
Essas são diferentes formas de
apreensão e interpretação “consciente” de dados fornecidos pelos sentidos.
Por outro lado, “eu tenho
conhecimento de que tenho Conhecimento”.
“Conhecer que tenho Conhecimento”
é como “o reconhecer-se no espelho”.É auto-evidente.
Supostamente só o ser humano tem
capacidade de “reconhecer-se no espelho”. Tem capacidade de dizer: “aquele que
está ali não é um outro; aquele que está alí sou eu mesmo”. Por outro lado também
é capaz de dizer: “Aquele que está alí é uma imagem minha, mas não é a minha
pessoa. Eu estou aqui e ali no espelho está apenas uma imagem visual do que eu
sou”.
Essas possibilidades são próprias
do ser humano. Supostamente apenas o ser humano tem essa capacidade paradoxal
de “dividir-se” e assim “olhar-se”, pois para fazer uma “reflexão” sobre si
mesmo, para pensar, ou falar sobre si como se falasse de um outro o ser humano
tem essa capacidade de divisão. Paradoxal porque implica em glória e ruína para
o ser humano. Simbolicamente falando, é como o “fruto do CONHECIMENTO do Bem e
do Mal”. A possibilidade de “conhecer” eleva e rebaixa, alegra e entristece o
ser humano.
Em um nível amplo de debate sobre
o Conhecimento, podemos tentar extrapolar outras reflexões como:
- os outros seres vivos “podem
conhecer” de algum modo?
- quando um ser unicelular reage
a estímulos benéficos de um modo e aos nocivos de outro, há aí uma atividade
precursora do Conhecimento?
- a informa;’ao físico-química do
DNA e das proteínas é precursora do conhecimento?
- as máquinas podem conhecer?
Antes de tudo, essas são
perguntas e elocubrações feitas por um OBSERVADOR HUMANO. Sem essas
elocubrações não se cogitaria tais coisas. Sem o SER HUMANO não seria possível
pensar se moléculas, células, seres vivos, ou máquinas poderiam conter uma
parcela da função de conhecer.
Assim, só há Conhecimento ou
Ciência porque há um conhecedor, um cientista, que possa praticar essa
atividade, ou seja, um SER HUMANO.
Portanto, esse Conhecimento, essa
Ciência são DEPENDENTES desse observador, não existem por conta própria.
Estudos do Conhecer -
Para abordar o Conhecimento posso
estudar seus diferentes processos:
1 - biológicos e neurológicos
2 - cognitivos e psicológicos
3 - históricos e sociais
4 - antropológicos e culturais
5 - filosóficos
6 - outros
Nesses diferentes processos, um
pressuposto biopsíquico é a “Consciência”, ou “Cons-Ciência”, pressuposto esse
que pode ser estudado também por outros campos.
Assim, ter conhecimento de alguma
coisa é como ter ciência dessa coisa, ou seja, para ter conhecimento preciso
ter “Consciência”.
O quê é Consciência?
Como dizia William James
(1842-1910): ”todos sabem o que é consciência até o momento de querer
definí-la.”
William James falava em “várias
consciências”. Mas, no momento não vamos focar essas noções desse estudioso.
Vamos citar os principais
sentidos de “consciência” em variados campos:
- Consciência neurológica, ou
clínica: é um ESTADO de plena noção de si e do meio.
- Consciência psicológica: dentro
da noção psicológica de consciente, ou ainda próxima da noção de ego.
- Consciência filosófica: a
percepção da distinção e das relações entre o “eu” e o mundo
- Consciência ética: o que diz
respeito às relações entre o “eu” e o outro.
Há intersecções entre essas
diferentes noções de consciência, e mesmo estas duas últimas compreendem ambas
o campo filosófico.
Em se falando em consciência
também pode-se pensar na “mente que processa o Conhecimento”.
Na mente podemos "situar" razão e emoção, instinto e intuição.
Devemos frisar que essas diferentes funções não são exatamente opostas, mas,
que a interrelação entre elas implica em diversos mecanismos que concorrem para
o Conhecimento. Assim, o processo de conhecer não inclui apenas o raciocínio ,
ou a razão, mas inclui também emoção e
instintos. Por outro lado, a intuição, por vezes de difícil definição, pode ser
melhor entendida se for lembrada como uma importante função no processo
criativo. A criatividade, em suas variadas vertentes, implica em intuição, que
provém das outras três funções em conjunto. Aliados a esses fatores estão: o
imaginário e as noções de consciente e inconsciente dentro da psicodinâmica
tradicional.
Devemos ter cuidado com o
contexto em que se situar a palavra “inconsciente”. Entende-se que um indivíduo
que chega inconsciente a um Pronto Socorro, tenha chegado “desmaiado”, “sem
sentidos”. Já quando alguém diz que cometeu um “ato falho”, costuma dizer
também que cometeu um ato inconsciente.
Além disso, o quadro inclui
também as Funções Cognitivas, que são as funções ligadas ao aprendizado, dentro
de uma perspectiva mais neurológica que incluem: atenção, orientação
temporo-espacial, linguagem, memória, capacidade de cálculo, outras correlações
situacionais.
Além das Funções Cognitivas, que
incluem a memória neuropsíquica, há também “outras memórias”.
Essas outras memórias também
participam do processo de Conhecimento.
Assim, há uma memória
neuropsicológica, mas também há uma memória histórica, coletiva, cultural.
Temos Conhecimento Cultural do
passado pela memória histórica.
Nesse sentido, entre os antigos
gregos, Mnemósine, a deusa da memória,
precedia o Culto aos Heróis Gregos, dando assim um sentido de preservação à
cultura desse povo.
Linguagem – ferramenta do conhecer
A linguagem das Ciências Exatas, Ciências Humanas e Ciências Biológicas é
transversalizada pela Linguagem Coloquial e Artística. Por sua vez, todas essas
linguagens estão abarcadas por um campo mais amplo que diz respeito à Linguagem
Cultural Ampla, que compreende todas as formas possíveis de linguagem humana.
Assim, há fenômenos naturais ou
humanos que podem ser estudados pelos
campos científicos específicos, mas que dentro de um campo mais genérico
não-científico pode já implicar em Conhecimento.
Um exemplo de um conhecimento a
priore que não necessita de comprovação científica é a noção de “fogo”.
Todos sabem o que é o FOGO desde
a pré-história.
Ao ouvir a palavra FOGO, já há um
entendimento implícito “ancestral” que faz parte de um conhecimento cultural
comum (evidentemente para aqueles que entendem português).
Há também a compreensão cultural
vivencial do “fogo”. Seja qual for a língua de uma pessoa, a visão do fogo
implica em noção de queimar. Esse é um conhecimento que não necessita da
ciência. Ninguém vai dizer que só vai passar a dizer que o fogo queima depois
que a ciência provar que o fogo queima.
Pode haver alguém que queira citar
a exceção de uma doença neurológica genética rara na qual não há a percepção
táctil de dor. Pode haver alguém também que lembre casos de doenças como a
hanseníase, onde pode ocorrer a ausência localizada da sensação de dor. No
entanto, o fato de haverem essas exceções, em sendo exceções, confirmam “a
regra” de que a noção de fogo é uma noção universal entre os seres humanos.
Outra coisa é o “estudo científico” do fogo. Pode-se dizer
cientificamente que sem oxigênio não há fogo e coisas desse tipo.
Noções históricas do Conhecimento
A palavra Conhecimento vem do
Latim cognoscere, que, por sua
vez, vem do Grego gnosis. Esse é
um termo grego mais para Conhecimento experiencial, vivencial, enquanto o termo
Episteme seria mais para um Conhecimento teórico, ou ainda conhecimento com
certo método.
Com o passar do tempo, palavras
derivadas dessas passaram a ter sentidos diversos, de modo que Epistemologia
diz respeito ao estudo do Conhecimento em si, e não de um conhecimento técnico
específico de uma área prática.
Nossa noção ocidental de
Conhecimento é “bastante grega”. Ou seja, a herança cultural grega de
Conhecimento permanece influente na maneira ocidental de conhecer.
Historicamente, a primeira fase
de Conhecimento dos gregos é a fase “pré-filosófica” ou fase
mítico-religiosa-existencial do conhecimento.
Esse é um período em que o
Conhecimento era legado de geração a geração, por relatos acumulados desde
remotas eras, com um entendimento de mundo e de ser humano proveniente de
antigas associações e correlações. Nós, hoje em dia, temos impressão de que
essa forma de conhecimento era simplesmente ingênua ou até mesmo ignorante. No
entanto esse é um julgamento equivocado por não levarmos em consideração as
circunstâncias da época em questão.
Karl Kerényi (1897-1973), um dos
maiores estudiosos da mitologia grega, dizia que, para os gregos, cada elemento
mítico tinha seu “equivalente existencial”, “como duas faces de uma mesma
moeda”. Ou seja, os mitos diziam respeito á realidade do dia a dia das pessoas
e não eram simplesmente devaneios. Esses entendimentos permitiam aos gregos a
resolução de seus problemas e a sua organização social e cultural.
Posteriormente, observados à
distância, os mitos começaram a serem vistos como abstratos, etéreos e separados
da vida comum.
Depois, têm-se a Fase Filosófica.
Essa fase é assim considerada por
ser determinada pelo fato de começar-se a fazer perguntas a respeito do mundo,
apesar de já haverem explicações tradicionais acabadas sobre essas questões.
Assim, também foram procuradas formas de responder ou explicar essas
indagações. Alguns métodos começam a ser utilizados para atingir esse
conhecimento.
Tradicionalmente considera-se Tales de Mileto (c.625-546 a.C.)
como o primeiro filósofo grego.
Em seus métodos usava a reflexão
especulativa e a matemática experimental. Assim que se tem, por exemplo, o
conhecido Teorema de Tales, que teria provindo da necessidade dele medir a
Grande Pirâmide.
Deve-se frisar que tudo o que se
sabe sobre Tales (bem como sobre diversos outros filósofos) foi escrito por
outras pessoas e não por ele.
Tales em sua Escola de Mileto
teve seguidores em Anaximandro e Anaxímenes.
Xenófanes de Cólofon (c.560-478 a.C.) era um
opositor dessa escola de Mileto e criou a Escola de Eleia. Tido como um
reformador religioso, ou mais como um poeta do que filósofo, ele é tido como um
“desmistificador”, ou seja um detrator das características antropomórficas dos
deuses gregos.
Embora sendo um aparente
“recorte” entre o tempo dos mitos e o da filosofia, no entanto os próprios
filósofos continuaram com suas crenças, ao mesmo tempo em que faziam suas
especulações.
Há outros importantes
pré-socráticos, como, por exemplo, Pitágoras, mas o tamanho desta aula não
comporta uma maior explanação sobre isso.
Há que se lembrar ao menos que
atribui-se a Pitágoras a criação da palavra Filosofia, embasada em uma atitude
de certa humildade de Pitágoras ao afirmar que “sábio só Deus”, e que ele era
apenas um “amigo da sabedoria”, que é o sentido da palavra “filósofo”.
A partir de Sócrates (c.470-399
a.C) inicia-se um novo período da Filosofia Grega. Sócrates volta-se mais para
o questionamento do interior do ser humano, enfocando a consciência e o
auto-conhecimento. Sócrates fundamenta o conhecimento como uma virtude (Arethé)
e como uma Episteme, ou seja uma atividade reflexiva e não somente
vivencial. Sócrates nada escreveu. Platão, seu maior discípulo fez relatos do
método Maiêutico de Sócrates em que, através de perguntas sucessivas, fazia com
que o o próprio questionador chegasse à solução de seu questionamento.
Platão (c.428-348 a.C.) discípulo
de Sócrates, criou a Academia. Esse nome vem do herói grego Academo, sobre cujo
túmulo foi construída essa escola. Na porta da Academia havia uma placa que
dizia: “aqui só entra quem souber Geometria”. Esse dado já indica uma clara
disciplina de conhecimento com essa designação e explicita um critério de
seleção para o ingresso em tal escola.
Platão praticamente
“sistematizou” a Filosofia com suas inúmeras obras escritas.
Considerava que aprender era uma
espécie de “recordar”, pois as noções perfeitas do que são realmente as coisas
estariam localizadas em um Mundo das Ideias (Topos Noetos), apenas parcialmente
acessado pelos seres humanos, que, assim teriam imperfeito conhecimento do
Real.
Aristóteles (384-322 a.C.),
discípulo de Platão, criou o Liceu, nome esse devido a essa escola estar
situada ao lado do templo de Apolo Lício. Aristóteles estudou praticamente sobre
“tudo”. Mas ele tinha algumas ideias que diferiam das de seu mestre Platão. Para
Aristóteles, todo Conhecimento seria provindo daquilo que entra pelos sentidos.
Esse ainda é o autor mais citado
em Ciências Humanas.
Parte do Conhecimento Grego
perdurou no período romano e na Idade Média.
Queremos frisar que na Idade
Média o Conhecimento não desapareceu (!).
Por exemplo: os estudiosos da I.
Média não pensavam que o mundo era plano (!).
Esse mito foi construido por
Antoine-Jean Letronne (1787-1848) e Washington Irving (1783-1859).
Em primeiro lugar a noção de
Idade Média foi construída posteriormente à mesma. Em segundo lugar os
iluministas e pós-iluministas construíram a ideia de que a Idade Média era uma
Idade das Trevas. Isso foi uma espécie de mecanismo de defesa de projeção, ou
seja, projetar o mal nos outros e ficar com o bem para si. Assim, os
iluministas tinham a luz da Razão enquanto os medievais estavam imersos na
escuridão da ignorância.
Após o Renascimento costuma-se
situar a “Revolução Científica”.
Ocorre que a ideia de Revolução
como sinônimo de “agitação”, “mudança rápida”, “mudança tumultuada” viria
depois da Revolução Francesa (1789). Assim, no tempo da Revolução Científica
essa palavra significava um determinado tipo de movimento circular.
Então certas revoluções do
Conhecimento foram assim entendidas à distância, por alguém que veio tempos
depois.
De qualquer forma, o século XVII
também é chamado de século da Revolução Científica.
Há quem também tivesse chamado de
Revolução Copernicana à publicação da obra de Copérnico em 1543, referente à
passagem do geocentrismo ao heliocentrismo.
Ora, em sendo “revolução”, poucas
pessoas teriam sido atingidas por ela no tempo de Copérnico, já que poucos eram
os estudiosos e a maioria da população continuava vivendo sua vida dizendo que
o sol nasce, anda e se põe. Aliás, nós ainda continuamos dizendo isso e essa é uma verdade muitas vezes suficiente
e abrangente para diversas situações que vivenciamos no dia a dia.
Diz-se que com a Revolução
Científica começou a experimentação, mas o conhecimento grego já se
dividia entre experimentação e especulação.
Também na Idade Média
estava presente a experimentação, haja vista os experimentos de Robert
Grosseteste (1168-1253) e seu discípulo Roger Bacon (1214-1294).
De qualquer modo, chamamos de Ciência
“Moderna” aquela que começa na assim chamada Idade Moderna. Tradicionalmente
seus principais expoentes foram: Francis Bacon, René Descartes e Galileu
Galilei.
Francis Bacon (1561-1626) criou o
método assim chamado de Empirismo, o qual valoriza a Ciência Experimental como
forma de Conhecimento. Faz uso da Indução, ou seja, do método que considera
inferir-se um determinado entendimento como provindo “do particular para o
geral”. Assim, um determinado experimento, em circunstâncias similares, poderia
supostamente levar ao mesmo resultado.
René Descartes(1596-1650) foi o
criador do Racionalismo e do método que
levou a “dividir para entender”. Seu método valorizou a Dedução, ou seja, o
caminho que vai “do geral para o particular”.
Galileu Galilei (1564-1642)
trabalhou com ciência experimental fazendo uso específico da matemática e de
medidas. Teve embate com os estudiosos seus contemporâneos por propor métodos
indiretos de conhecimento por meio de instrumentos. Como Aristóteles dizia que
o Conhecimento era adquirido pelos sentidos, os outros estudiosos desconfiavam
da necessidade de utilizar-se de alguma coisa entre os sentidos e o objeto,
como, por exemplo, o telescópio.
De Scientia para Ciência
A Scientia dos estudiosos
medievais e depois de Descartes, Bacon e Galileu transforma-se em Ciência, na
medida em que as línguas vernáculas substituiram o latim como expressão do conhecimento,
mantendo-se a palavra “Ciência” nas traduções. Em Latim o verbo para “conhecer”
é Scire, de onde vem Scientia.
No século XVII também surgiram as
primeiras sociedades científicas.
Essas sociedades foram uma
espécie de oficialização da Ciência no contexto do Estado e indicou a percepção
dos detentores do poder político de que a Ciência poderia ser um importante
aliado para a manutenção do poder.
Assim, em 1660 foi criada a Royal
Society of London for the Improvement of Natural Knowledge, logo após a
Restauração do Rei Charles II. Foi lançada a ideia de instalar um “Império do
Conhecimento”.
Em 1666 foi fundada a Académie
de Sciences da França, pelo Rei Luís XIV.
Uma personagem histórica que
surge nesse período e que adentra ao século XVIII como importante estudioso é Isaac
Newton (1643-1727).
Eventualmente ele é citado como
Cientista ou Físico. Mas, nos anos em que viveu essas duas palavras ainda não
existiam.
Na verdade, ele era um Filósofo
Natural. Assim, sua obra principal foi:
Philosophie Naturalis
Principia Mathematica (1687), ou seja Princípios Matemáticos da Filosofia
Natural. Nessa obra ele deixou fundamentos da Mecânica Clássica.
Além disso, também era um alquimista.,
um estudioso da religião e de esoterismo.
No transcorrer do Século XVIII
configura-se o Iluminismo como um processo de reforçar-se a Razão como meio de
Conhecimento e Liberdade para os povos. No entanto, no fim desse mesmo século,
após a Revolução Francesa, ocorreu o que foi chamado de Terror, com a
perseguição e execução sumária de supostos inimigos, sendo que as emoções
instintivas e a paranoia superaram a razão em pouco tempo após a suposta
vitória desta.
Algo concomitantemente, o
Iluminismo alemão, ou Erklarung, tinha como seu representante principal Immanuel
Kant (1724-1804). Inúmeros poderiam ser os comentários para se fazer sobre Kant
e o Conhecimento. No entanto, aqui faremos menção a um trabalho dele não tão
citado que é O Conflito das Faculdades (1798).
Nessa obra ele reclamou dos
favores do príncipe às Faculdades de Teologia, Direito e Medicina em detrimento
da Faculdade de Filosofia (que englobava todas as humanidades). Para Kant esta
faculdade deveria ser o centro das outras, ou ainda preceder as outras. Essa
obra também pode ser vista como uma sinalização da gradual superação das áreas
que irão aos poucos dar espaço à Ciência de “interesse prático”, deixando os
outros campos em situação “menos científica”.
Século XIX
Neste século as Ciências acabam
configurando-se como tal, acompanhando a chamada Revolução Industrial e a
instituição dos Estados-Nação modernos.
Nesse século que surge o termo “Cientista”
– palavra criada por William Whewell em 1833 (1834) de forma irônica, fazendo
analogia a “artista”.
Em 1840 publicou o termo
seriamente, tendo criado também o termo “físico” para o estudioso da Física, na
obra The Philosophy of the Inductive
Sciences.
Século XX
Evidentemente neste brainstorm estamos passando
rapidamente por grandes períodos.
Assim no século XX temos alguns marcos no Conhecimento em sentido amplo:
1900 – Freud – Interpretação dos Sonhos
1900 – Max Plank – Física Quântica
1905 – Einstein – Teoria da Relatividade
1927 – Heisenberg - Princípio da Incerteza
Devemos assinalar que a Primeira
Guerra Mundial, que é menos lembrada do que a Segunda, foi um importante marco
divisório de épocas, em parte mais traumático do que a Segunda Guerra. Antes de
1914 havia certo espírito de que a Ciência iria resolver todos os problemas.
Após 1918, o mundo cai em perplexidade, surge um Tempo de Incertezas (e a
Geração Perdida). É notório que o assim chamado Principio da Incerteza de
Heisenberg, de certa forma expressa isso, expressando na linguagem científica
um estado de espírito então vigente. Por outro lado, esse princípio acompanhou
também um questionamento emergente a respeito de um Cientificismo então em
voga.
No questionamento desse
cientificismo vem a obra de Gaston Bachelard (1884-1962) de 1934 – “O novo
espírito científico”. Bachelard, influenciado pelas ideias psicanalíticas, considera que a mente que produz a Ciência não é apenas racional, mas também tem presente as influências do inconsciente na produção do cientista.
Já como um exemplo de uma busca
de nova sistematização da Ciência, mas dentro de parâmetros neo-positivistas há
Karl Popper (1902-1994) responsável pelo Racionalismo crítico e seu critério de
Falseabilidade com a obra de 1959 - “A Lógica da Descoberta Científica”. No racionalismo crítico, Popper acha que pode-se questionar a Ciência por meio da reflexão filosófica, mesmo sem se estar dentro do cotidiano científico. Na Falseabilidade Popper acha que apenas o que pode ser falsificado é que diz respeito à Ciência.
Já dentro de uma visão dinâmica
da Ciência Thomas Kuhn (1922-1996) em “A estrutura das revoluções científicas”(1962) lança o conceito de paradigmas. Reforça que toda
atividade científica está inserida em um contexto mais amplo: cultural, social,
histórico, político, econômico, etc. Assim, a Ciência não acontece por si só e
isolada e a Ciência não se basta a si mesma e não caminha por seus próprios
passos.
Podemos dizer então que existem“Várias
Ciências” e não uma só.
Havia a Ciência da Mesopotâmia, a
Ciência do Egito, etc.
Há uma Ciência de cada contexto
cultural.
A Ciência “hegemônica
triunfalista ocidental” liga-se a ganhos e perdas para a humanidade; cresceu
e se impõe ligada ao poder econômico e político.
O conhecimento científico convencional
adota um distanciamento entre sujeito e objeto: têm-se a Impressão de
sujeito “neutro” e “ciente da verdade” e
de objeto com “medidas absolutas”.
Em uma nova epistemologia científica
o Conhecimento se processa entre sujeito e sujeito: um sofre a influência do
outro; a observação depende de cada um; as “medidas” obtidas são relativas.
Temores a respeito da Ciência
Moderna
No Séc XIX a Ciência também era vista como ameaça
ao ser humano e não apenas como um triunfo do progresso. Assim, têm-se as obras: "Frankenstein", Jeckill and Hyde(O médico e o monstro), etc.
Após 2a. Guerra Mundial e as bombas
sobre Hiroxima e Nagasaki (produzidas pela ciência), além da Guerra Fria, houve uma relativização da Ciência como depositário da
Verdade e do Bem.
Surge então a necessidade de diálogo entre a
Ciência e outras formas de Conhecimento.
Assim a visão ideal de uma “Ciência
Pura”,ou de um “Cientista despojado e iluminado” precisa ser repensada
em busca da dimensão humana da Ciência e do Cientista, sujeito às mais variadas
influências, pressões, necessidades, anseios, haja vista que muitos
cientistas se dedicaram e se dedicam a aprimorar formas de destruição
cada vez mais sofisticadas.
Deve-se levar em conta o poder
relativo da Ciência:
Os avanços tecnológicos e
científicos são inegáveis (pois permitem até
que esta aula aconteça desta forma) mas, não há Ciência imparcial,
não há Ciência pura, o que não necessariamente implique em erro
moral.
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