segunda-feira, 19 de setembro de 2011

Palestra do Professor Patrick Paul

Os diversos dados referentes à palestra e aos estudos do Professor Patrick Paul podem ser acessados no blog
www.cienciaetradicao.blogspot.com

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Mito e Modernidade - (Parte 2 da aula 3 do Curso Humanização da Medicina e seus Mitos)

Mito e Modernidade
Prof. Dr. Afonso Carlos Neves

O que passou-se a chamar de “Modernidade” foi decorrente de vários processos ocorridos entre a segunda metade do século XVIII e a primeira metade do século XIX. Tais processos são decorrentes de outros anteriores, mas vamos nos deter aqui a partir desse período.
A Revolução Industrial e as novas configurações políticas em vários países conduziram a um novo desenvolvimento das cidades, com novas vivências e visões a partir do “urbano”.
A Ciência ainda não tinha se tornado propriamente “profissional”, mas tinha o apoio dos detentores do poder, de modo que se aprimorava.
A eletricidade, “descoberta” e nomeada por Gilbert no século XVI, ganhou um novo patamar após os trabalhos de Galvani no século XVIII.
A possibilidade de manipulação da eletricidade e seu poder sobre corpos mortos, entre outras proezas, impressionaram os estudiosos que passaram a creditar a esse fenômeno um dos meios de dominar a natureza, incluindo a morte. Assim, a eletricidade seria algo como uma “desafiadora das divindades” produtoras de “raios e relâmpagos”.
Concomitantemente a esses acontecimentos, a Medicina então praticada não pode ser tida propriamente como “popular”.
Ao nos reportarmos ao passado com uma nostalgia de uma Medicina próxima das famílias e de todo e qualquer cidadão, estamos parcialmente projetando em um passado longínquo algo que não fica tão distante no tempo.
Até o aparecimento das repúblicas modernas no século XVIII, o que vivia mais próximo da camada social menos favorecida da sociedade em termos de cuidados com a saúde eram mais frequentemente “curadores” e “cuidadores” de origem popular, mas não médicos de formação universitária. Estes serviam mais frequentemente à elite da sociedade.
Um dos marcos iniciais de um “cuidar médico formal dos cidadãos” ocorreu a partir de Pinel ter passado a cuidar de Salpetrière na última década do século XVIII. Pinel, Cabanis e outros iniciam um processo de aproximação da Medicina universitária com um “cuidar” de pessoas do povo. Devemos lembrar também do então “cirurgião-barbeiro” que tinha uma papel intermediário entre a Medicina universitária e os “curadores populares”.
Esse processo de aproximação do povo de uma “Medicina republicana” ocorreu aos poucos, já que o povo já estava habituado aos “cuidadores populares”.
Assim, talvez possa ser questionada uma nostalgia de uma “medicina humanizada” se isso disser respeito a um “cuidar de qualquer pessoa”. Seria essa uma nostalgia da Medicina propriamente dita ou seria uma nostalgia dos cuidadores?
    
Literatura
Acompanhando a Modernidade aprimoraram-se os processos industriais facilitadores da produção de livros. Assim, instalou-se uma Literatura de consumo e diversão, bem como de informação noticiosa, de modo que passaram a circular na sociedade conhecimentos e informações as mais variadas, promovendo uma “permeabilidade” entre as diversas camadas da sociedade e entre a Ciência e os leitores de livros e de notícias.
Essa produção literária foi um dos fatores que configuraram a Modernidade.

Fotografia

Em 1926 o francês Niepce, em 1933 o francês Florence radicado no Brasil em finalmente em 1935 o também francês Daguerre desenvolveram o processo de criação da fotografia.
A fotografia trouxe uma “nova imagem” e um “novo imaginário” ao cidadão da modernidade.
É interessante que três franceses tenham desenvolvido inicialmente a fotografia, pois a Paris do Barão Haussmann configurou-se na “cidade moderna” nos padrões do século XIX, na segunda metade desse século, onde a fotografia passou a captar as coisas “acontecendo” em um instante, um momento.
Devemos lembrar que uma das primeiras aplicações práticas da fotografia ocorreu a partir de 1854 com a foto da população carcerária para o fichamento de cada criminoso. Assim, esse foi um início de controle social “moderno” que posteriormente vai atingir também os outros indivíduos.
Assim se a fotografia traz uma “nova imagem” da pessoa, também implica em um novo “olho” da sociedade.
Esse processo na instância científica, em 1860 gerou o “mítico” conceito de “optograma”. O médico Dr. Vernois formulou a hipótese de que ficaria impressa na retina de uma pessoa morta a última imagem vista por essa pessoa. Assim, seria possível, a partir da “fotografia da retina”, descobrir a identidade de um homicida.
No transcorrer da segunda metade do século XIX aprimorou-se a anestesia e a antissepsia. Tais capacidades acompanharam o processo de “corrida contra o tempo” na Medicina.
É notório que na Paris do Barão Haussmann apareceram as primeiras ambulâncias, ainda sob tração animal. A cidade moderna passou a ser hostil ao cidadão e a entrar em conflito com ele, de modo que aumentaram acidentes decorrentes desse conflito, ao mesmo tempo em que aquelas técnicas citadas se instalaram.
Em 1864 o necrotério de Paris passa a ficar aberto ao público para visitação, de modo que adquire características intermediárias entre museu e teatro gratuito, na medida em que apresentava “personagens” criados pela imprensa moderna. Essa visitação que se revestia até mesmo de um caráter lúdico foi fechada em 1907, sob protestos.

Podemos ver um rápido apanhado do reflexo desses fatores em relação à Medicina em algumas obras desse período. Assim temos:

         Frankenstein (1818) -  Mary Shelley.

         Claire Lenoir (1867) - Villiers de L’Isle Adam.
Nesta obra o autor faz uso do conceito de optograma.

         O médico e o monstro (1886).
   - Robert Louis Stevenson.

         O Alienista (1882) -  Machado de Assis.

Vamos nos ater um pouco mais no que podemos chamar de “O Mito Moderno de Mary Shelley”.
Em 1818 Shelley escreveu “Frankenstein – O Prometeu moderno”.
É interessante notarmos que “o Prometeu moderno” é uma parte esquecida do nome da obra, mas que tem importante significado para entendermos a simbologia e a motivação dessa obra.
Na Mitologia Grega, Prometeu foi o responsável por fazer o homem de barro e por insuflar o fogo divino nesse ser, tendo sido punido por isso (e por outras causas também). Embora punido, tornou-se uma figura heróica para os humanos.
Já o Prometeu Moderno de Shelley, além de punido, fez uma criação que não deu certo.
Mary Shelley expressou em sua obra uma desconfiança do poder da Ciência.
Percy Shelley, escritor e marido de Mary, era um entusiasta da Ciência.
Já o pai (também escritor) de Mary não acreditava em ciência sem “benevolência”.
Humphry Davy (descobridor do potássio) e Erasmus Darwin (botânico) eram freqüentadores da casa de Mary na infância e tinham opinião otimista da Ciência como Percy.
Assim, observa-se uma influência do pai de Mary sobre sua visão da Ciência.
Frankenstein tornou-se uma “figura mítica moderna” e temerária referente à Ciência.
Na narrativa Frankenstein era o nome do cientista, no entanto, a “Criatura” acabou assumindo o nome do criador na popularização da história.
Em certo sentido, Frankenstein é um mito similar ao “Morto vivo” conhecido como “Zumbi”, um herói dos escravos no Brasil, que acabou se tornando um mito universalizado como uma figura de alguém suspenso entre a vida e a morte.
Embora ambos habitem, de certa forma, esse espaço entre a vida e a morte, há diferenças.
Frankenstein faz lembrar que uma pessoa é “mais do que a soma de suas partes”. O cientista tentou juntar as partes de cadáveres para fazer um todo, mas não teve sucesso.
Já Zumbi foi aquele que tido em condição de escravo, ou seja, em condição subumana, ao ser morto, não morreu. Sua figura de “morto vivo” assombra seus perseguidores.
Já a figura de Frankenstein assombra seu criador e os humanos suscetíveis às ameaças de uma Ciência desafiadora da natureza.
Portanto, esse pode ser um  “Mito da Ciência desumanizante”.
 
Modernidade e o novo olhar

A Modernidade também condicionou outra forma de novo olhar sobre o humano.
A partir do Século XX, o Cinema, um aprimoramento da fotografia e mais do que um “teatro fotografado”, instalou-se no espaço do Teatro convencional.
Por sua vez, o teatro moderno veio do Teatro da Grécia “refeito” por Shakespeare.
Assim, Shakespeare, que no dizer de Harold Bloom teria criado a modernidade, retomou o teatro que em sua origem grega teria vindo de rituais dionisíacos.
Assim, o Cinema seria uma “versão dionisíaca moderna” da catarse teatral grega.
Desse modo, tem-se Rodolfo Valentino (1895-1926) como o primeiro Mito de Massa do século XX, arrastando multidões para seu funeral em New York.

Tratando-se de  Medicina, Ciência e Cinema podemos lembrar as obras:
Gabinete do Dr. Caligari (1919) de Robert Wiene.
Dr. Mabuse (1922 e 1932) de Fritz Lang.
Metrópolis (1926) de Fritz Lang.
Obras essas que demarcaram uma Medicina ameaçadora em um período entre guerras.

Já nos anos 1960, no México, o filme “O Senhor Doutor” (1965) de Cantinflas retrata um lado bastante humano da Medicina, condizente com a visão do autor sobre a humanidade.
No fim do século XX voltam as obras que retratam uma ciência temerária em relação à Medicina como, por exemplo o filme Gattaca (1997) de Andrew Niccol.
Já o Homem Bicentenário (1999) de Chris Columbus frisa que talvez valha mais a pena morrer e permanecer humano, em vez de se tornar uma “máquina perene”. Concomitantemente a isso, na sociedade surgiam protestos em relação a “globalização econômica” glamurizada mas desumanizante.
Também a televisão entrou nas formas de retratar vínculos entre a Medicina e a sociedade.
Nos anos 1960 Dr. Kildare e Ben Casey retratavam médicos como heróis jovens próprios de uma cultura jovem pós Segunda Guerra. Concomitantemente a série “5ª Dimensão” (Outer Limits) acompanhava uma apreensão como novos poderes da ciência, com novas versões de mortos-vivos, na medida em que passou a ser possível a manutenção artificial da vida.
Nos anos 1970 a figura amadurecida de Marcus Welby substituiu os jovens, na medida em que a sociedade juvenil dos anos 1950-1960 passava a conviver com uma crise (decorrente da crise do petróleo) menos visível do que os conflitos decorrentes da Guerra Fria.
No fim do século XX, nos anos 1990 a série E.R. (Plantão Médico) trouxe os médicos para o mundo real colocando-os no mesmo dia a dia das outras pessoas, apresentando contradições entre traços algo heróicos e traços humanos.
Já no século XXI surgiram inúmeras séries sobre Medicina, como derivações de E.R, sendo  “House” a série emblemática desse período, retratando, ao mesmo tempo que um elevado refinamento técnico cientifico, uma busca de House por um “humanismo perdido”, mais do que apenas alguém que seja cínico e descrente.

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Curso "Humanização da Medicina e seus Mitos" - Aula 3 - Parte 1 - O Mito da Mitologia

Curso “Humanização da Medicina e seus Mitos”
Aula 3 – Parte 1 – O Mito da Mitologia

Temos questionado sobre a relação entre o binômio humanização/desumanização na área da Saúde e na Medicina e os Mitos nos diversos sentidos desse termo.
Vamos inicialmente estudar alguns aspectos sobre o “Mito da Mitologia”.

As origens do Mito se perdem no início da humanidade.
Ser humano, cultura e linguagem formam um triângulo inseparável “desde que existe ser humano” sobre a terra. Essa correlação inseparável determinou os limites e as possibilidades, bem como as características do entendimento do homem sobre si mesmo, sobre os outros e sobre o mundo.
Usemos um termo da linguagem de Eliade e de Kereny para os “primórdios” da humanidade. Esse termo é o adjetivo “primordial”.
Podemos dizer que primordiais eram as “primeiras coisas” que supostamente integraram o ser humano.
Assim podemos falar em uma “Cognição Primordial”.
Cognição diz respeito à capacidade de aprendizado, de conhecer do ser humano. Assim, em alguma etapa do desenvolvimento humano que se perde em milhões de anos atrás, o ser humano passou a ter um padrão diferenciado de cognição que estamos chamando de “cognição primordial”.
Dessa “Cognição Primordial” um elemento fundamental é a capacidade de ter uma “memória individual”.
Supostamente as outras espécies animais têm um certo grau de memória individual. Os eventos benéficos, maléficos ou neutros devem marcar de diferentes formas o sistema nervoso dessas outras espécies, de modo que compõem alguns dos fatores que condicionam o comportamento desses animais.
O ser humano passou a apresentar essa capacidade em um maior grau de complexidade.
A intrigante possibilidade do indivíduo “dividir-se a si mesmo”, de modo que seja capaz de refletir sobre o seu próprio ser, acrescenta uma série de implicações na capacidade de memória individual. Aliás, o verbo “refletir” também se aplica à “imagem refletida no espelho”. Até onde se sabe só o ser humano é capaz de reconhecer-se no espelho. Para que esse reconhecimento ocorra, é necessário um distanciamento, uma divisão interna, que permita ao indivíduo saber que aquele no espelho “é ele mesmo” e “não é ele mesmo”; é uma imagem dele e não de outra pessoa, mas não é exatamente ele e nem outra pessoa. Mas a imagem permite uma “autoidentificação”: um sinal distinto de identidade pessoal.
Alguém pode questionar se há necessidade de adjetivar a memória de individual, pois pode considerar que se a memória situa-se no cérebro, então só pode haver uma memória individual.
Ocorre que o ser humano individual sempre é atravessado pelo “coletivo”, pelo “comunitário” desde os seus primeiros momentos de existência. Isso se entende por aquele triângulo inicial entre ser humano, cultura e linguagem. Há uma série de “marcas de memória” que são culturais, são comuns aos membros de uma comunidade humana.
Alguém pode falar aí em um “engrama coletivo”. Podemos concordar, mas sem nos apressarmos a reduzir essa categoria apenas à dimensão genética.
Assim, memória individual e memória coletiva primordiais foram importantes para o acúmulo de conhecimento e aprendizado do ser humano.
Outro elemento dessa cognição primordial é a “capacidade de comparação”. Essa é uma espécie de “capacidade matemática pré-histórica”. Uma capacidade neurológica ou neuropsíquica de “mensuração”. Se as outras espécies animais tinham uma capacidade inata de “mensurar” a distância da presa, ou da ameaça, por exemplo, no ser humano essa capacidade se traduz em uma interpretação mental e instrumental de mensuração.
Assim, vemos nessa cognição primordial a noção de grandeza, a percepção de opostos, a noção de espaço e de tempo, a noção de linearidade e a noção de ciclicidade (mais do que de circularidade), bem como as habilidades motoras concomitantes a esses outros processos.
Assim podemos falar em noções “primordiais”. Noções essas que dizem respeito a: defesa e  ataque; ameaça e agressão; dor e sofrimento; poder e impotência; vida e morte. Nesse contexto noções mais complexas dizem respeito a “culpa” e “responsabilidade”.
A noção de culpa supostamente estaria ligada a alguma forma de “crime primordial” que diria respeito à consciência da necessária morte de animais para sustentar a tribo/comunidade, ou ainda a alguma forma de sacrifício ou morte de outros seres humanos.
A responsabilidade estaria ligada à consciência de “ter que cuidar” da família ou comunidade, em um patamar além da noção instintiva dos animais.
Esses processos se deram no nível individual e no coletivo.

Linguagem e Noções primordiais
Assim também esses diversos processos interligaram-se à linguagem.
A linguagem verbal e não verbal prestou-se ao entendimento de si, dos outros, do mundo
e dos vínculos entre esses elementos.
Na linguagem, que é sempre simbólica, inseriram-se as “imagens míticas”.
Concomitantemente “explicativas”, “condensadoras” e “atenuantes” de uma carga emocional sobre “vínculos vivenciados”. 

Assim, até agora, ao falar-se em “cognição primordial” parece ter-se falado mais sobre a capacidade racional, ou mesmo intelectual do ser humano.
Ao falarmos de “imagens míticas” inseridas na linguagem primordial estamos inserindo também a noção de “emoção primordial”. Todo o tempo, os seres humanos tiveram que aprender também a respeito de suas emoções, e aqui também individuais e coletivas.
Desse modo, os vínculos vivenciados emocionalmente puderam adquirir um caráter “sagrado”, ou seja, transpuseram os limites do cotidiano (tempo, espaço, etc.), “consagrando” esses vínculos, em alguma forma de memória coletiva.

Mito da Mitologia
A palavra Mito vem de mythoi , que significa  “narrativa”, ou ainda “história” (ou ainda a “estória” de outras línguas ou que já teve seu lugar no português).
Conforme o estudioso de mitologia Carl Kerényi (1897-1973):
O Mito era uma “narrativa que suscitava ecos no interior dos interlocutores, despertando a consciência de que essa narrativa dizia respeito pessoalmente ao narrador e ao espectador”.
Ainda conforme Kerényi, o mito grego sempre figura como uma coisa “perceptível”, “do cotidiano”, mas sua simbologia “vai além do significado primeiro” e desdobra-se em várias imagens na mente.
Conforme Mircea Eliade (1906-1986) o mito é realidade cultural complexa, que conta uma história dos tempos primordiais, história essa que tem um caráter sagrado; que sempre se refere a “realidades”.
Segundo Joseph Campbell (1904-1987) o mito, ou ainda a Mitologia, tem 4 funções:
1- Mística ou metafísica, dizendo respeito à uma forma de reconciliação individual e coletiva.
2- Cosmológica – correspondendo à possibilidade de inserção no Todo.
3- Sociológica –  função de adequação à ordem social.
4-     Psicológica – o mito molda a psique do indivíduo.

Deuses e heróis gregos
Falando mais particularmente das entidades míticas gregas, podemos inicialmente assinalar algumas características dos deuses e dos heróis gregos.
Para os gregos os deuses são de um tempo antes dos tempos, um “tempo primordial” sem a mesma contagem de tempo dos humanos.
Já os heróis são de um “tempo intermediário” entre o tempo primordial e o tempo histórico.
Esses heróis, mesmo que tenham sido inicialmente pessoas reais, posteriormente suas lendas os “retiram da história” e os aproximam dos deuses.
De certa forma a “glória do divino cai sobre o herói” e se combina com a “sombra da mortalidade”.
Os heróis gregos têm importante papel na memória coletiva.
O culto aos heróis era precedido pelo culto à deusa Mnemósine, deusa da Memória.
Assim os heróis dão sentido e motivação de vida a seu povo.
Por outro lado, os heróis gregos não têm apenas o sentido de “vitória”, como muitos “heróis modernos”, mas também estão ligados à importante noção de sacrifício da cultura grega.
Conforme Carl Gustav Jung (1875-1961)  a “figura arquetípica” do herói tem importante função no desenvolvimento psíquico.
O termo “arquétipo” foi inicialmente proposto por Platão. Archetypon (ou seja, de tipo – forma e de arché – antigo) dizia respeito ao “modelo original” das coisas, modelo esse perfeito e presente no Mundo das Ideias (Topos Noetos).
Jung retoma essa conceituação e a utiliza no sentido de “imagens primordiais universais” presentes no inconsciente coletivo.

Mito – Culto - ritual
O culto aos deuses e heróis é mais do que apenas uma “imitação do mito”.
O culto busca “reviver” o mito.
A linguagem do culto era própria de sua cultura e, portanto, distante de nosso acesso, o que pode dificultar seu entendimento pleno.
Os Rituais diziam respeito a rituais de antigos “eventos sagrados”, ou ainda a Ritos de Passagem em diversas etapas da vida individual e coletiva (por exemplo, o rito de passagem da puberdade à idade adulta).
Eliade vê resquícios de ritualidade na Modernidade que têm apenas uma parcela de significado e carga emocional-racional dos antigos mitos.

Voltando dos mitos para a medicina, vamos questionar se haveria uma “Desumanização antiga?” – ou seria um Mito antigo da desumanização da medicina?
Assim citemos Archagathos de Esparta, que no ano 219 a. C. teria sido o primeiro médico grego em Roma, saudado pelo povo e pelo Senado como “curador de feridas”.
Por problemas posteriores ele depois foi repudiado e chamado de “açougueiro”.
Tal afirmação não ressoa estranha aos nossos dias. Teria sido esse um episódio antigo de “desumanização em medicina” ou teria sido uma injustiça contra Archagathos?
Uma outra menção vem do romano Plínio, o Velho (séc. I d.C.):
Ele particularmente não gostava dos médicos gregos e dizia:
“eles aprendem com nossos corpos, fazem experimentos até a morte, e o médico é o único que não é punido por assassinato”.
Essa também é uma frase que não ressoa estranha a nós. Por outro lado, devemos lembrar que em Roma a Medicina era exercida por estrangeiros ou por escravos. Os estudiosos latinos que escreveram sobre Medicina eram estudiosos em geral, não apenas de medicina e nem foram iniciados em escolas médicas, como ocorria com os gregos.